Friday, August 05, 2016

Sobre "dicas" e "sugestões de leitura"

Recebo muitos pedidos de meus ouvintes do YouTube para fazer um vídeo sobre dicas e sugestões de leitura. Mas não tenho dicas ou sugestões de leitura pra ninguém, a não ser que alguém me pergunte sobre uma preferência minha acerca de um assunto específico.
E minhas preferências nem talvez signifiquem alguma sugestão qualificada de quais seriam as melhores leituras no tema proposto, pois não conheço tudo o que foi escrito. Gostei de ler alguns autores, mas não sei se são os melhores em suas áreas.
Também acho um pouco ultrapassada, ou deslocada, essa ideia de que as pessoas tem que ler x livros por ano. Um livro é uma maratona danada e e demanda um tempo grande para ser concluído. Se o autor então começar a incursionar com algum viés ideológico eu nem recomendo. As pessoas costumam se debruçar, durante tanto tempo e com tanto esforço, na leitura de um livro, que isso muitas vezes é suficiente para imaginarmos algumas coisas parecidas com lavagem cerebral, convenhamos.
A depender do autor as ideias demoram tanto a serem desenvolvidas, e há tanta repetição e redundância, que não tem como justificar tamanha dedicação a uma única pessoa. Tem que ser alguma coisa muito agradável de se ler, como uma história bem contada (um romance, um livro de contos) ou então talvez não valha mesmo a pena, principalmente se você estiver entendendo pouca coisa do que está escrito, ou sentir que a leitura não lhe acrescentou muita coisa, ou que o tempo despendido foi muito grande em função do pouco de conteúdo significativo que você assimilou.
Somente para lhes fornecer alguns exemplos, cito-lhes algumas leituras que tive em 1999, quando fazia mestrado na UnB. Em uma disciplina que traçava relações entre psicanálise e literatura, li Hamlet e algumas tragédias gregas. Lamento, por mim e por vocês que estão aqui lendo esse texto, mas essas leituras não acrescentaram quase nada à minha vida profissional, intelectual ou pessoal. Não aprendi quase nada de significativo lendo essas obras, e nem mesmo tentando compreender qual era a importância delas nessas aulas. Podem arremessar suas pedras e me chamar de burro ou ignorante, mas meus esforços para absorver algum conhecimento dessas leituras foram muito grandes e praticamente em vão.
Se fosse hoje muito provavelmente eu teria tirado melhor proveito dessas leituras, pois há mais facilidade de acesso à informação e assim, mais facilmente, encontramos boas interpretações ou bons guias para esse tipo de leitura, cujas aulas de meus qualificados professores do mestrado não foram suficientes para que eu mesmo compreendesse a profundidade e a relevância dessas obras.
Então a minha percepção atual, sobre qualquer tipo de leitura, é a de que ela deve ser inserida no contexto, no horizonte de compreensão e prazer do leitor. Esse engajamento costuma ser paulatino, e é muitas vezes facilitado pela mediação verbal de alguém mais experiente, de alguém que já fez essas leituras e pode facilitar a incursão do leitor nelas.
Outro fator que também julgo importante se relaciona à função da leitura. Muitas pessoas se dirigem para algumas leituras com o intuito de produzirem para si mesmas uma espécie de lustre cultural, o qual poderá ser exibido no circuito esnobe das interações pseudoeruditas.
E pra quê, depois de uma série de leituras, se transformar em um caminhão de pólvora, se você pode ser uma espingarda que atira? O mais importante não são os títulos que você consumiu, que você leu. O mais importante é no que você transforma aquilo que assimilou por meio da leitura.

Se boa parte de suas leituras se transformaram em um exibicionismo descolado da vida vivida, das interações saudáveis entre você, as pessoas e o mundo, isso tudo na verdade não passou de desperdício de tempo, o qual poderia ter sido aproveitado certamente com atividades muito mais prazerosas e saudáveis.

1 comment:

Arilo said...

Olá,Adriano. Estou vendo seus vídeos e o blog há dois dias. De modo que não consegui absorver muita coisa ainda, mas estou colhendo muitas discussões interessantes. Aproveito esta postagem para fazer uma pergunta: tenho interesse meramente literário para as questões ligadas à psicologia. Tenho desenvolvido histórias que, de forma inconsciente, e somente posteriormente vim a perceber isso, têm uma forte evocação a transtornos mentais, com personagens obcecados, delirantes, enfim... Como gostaria de realizar mais contos neste sentido, gostaria de ter um conhecimento mais instrumental sobre o assunto. Não tenho interesse acadêmico nem nada do tipo (sou jornalista), mas apenas gostaria de um tipo de leitura que pudesse embasar melhor a criação dos meus personagens, que eu soubesse com mais segurança que tipo de transtornos eles teriam, etc. Pensei até em adquirir algum livro sobre psiquiatria forense, mas não sei se seria o caso. O que você me indicaria? Um livro sobre transtornos mentais que não fosse excessivamente simplório como as informações que encontramos na internet, ams que também não fosse muito hermético e rebuscado para não especialistas... Obrigado! Arilo, Fortaleza.