Friday, May 20, 2022

O sonho do palhaço triste

06 de maio de 2015.

Acordei às 4:30 da manhã, logo depois de ter tido um sonho valioso, e talvez muito significativo para ilustrar alguns aspectos de minha vida atualmente, para os quais não entrarei aqui em detalhe.

Eu tinha acabado de sair de uma sessão de cinema, em céu aberto, deitado, vendo estrelas e vendo o filme ao mesmo tempo, tendo como companhia toda a população de uma alguma vizinhança de periferia, de alguma cidade grande do Brasil. Aliás, do meu lado direito se sentava um colega de infância, o qual sofrera bastante com bullying. 

Depois de passarmos a tarde inteira dando porradas um no outro (sim, ele sofreu bastante bullying, mas sempre foi muito violento), ele assistia ao filme ao meu lado e ainda trocávamos muitos pontapés e murros. Porém, depois que o filme começou, ele mudou completamente de comportamento, e passou a atuar de modo bastante afável e constrangedor. Queria assistir ao filme de mãos dadas comigo (sim, ele sofreu bastante bullying, era violento e meio bissexual).

Para me defender, o que eu fiz? Dei mais porradas no caboclo, e com muito mais intensidade, para que ele desistisse por completo de tal empreitada absolutamente humilhante e vexatória em direção à imagem social imaculada de minha ilustre pessoa. Nosso comportamento era o mesmo da década de 80: jargões, falas e comportamentos de típicos machos. Os melhores exemplares da espécie naquele remoto rincão de periferia de uma cidade média do interior de São Paulo. E muitos desses machos comiam o cu de outros machos, e batiam no peito orgulhosos de tais grandes feitos e conquistas. Sim, àquela época fui humilhado publicamente, chamado de “viado” por me recusar a entrar na fila dos machos que estavam deflorando um coleguinha de infância, o qual dava o cu em troca de um trocado, de um chocolate ou até mesmo de algumas voltas em nossas bicicletas:

- E aí, Adriano, bora lá?

- Bora lá o quê?

- Tá todo mundo indo ali atrás do muro, no fundo daquela casa abandonada, para comer o Leproso (apelido fictício). Se você deixar ele dar umas volta na sua bicicleta, acho que ele abre pra você também. 

- Porra, mas o Leproso tem uma bicicleta melhor que a minha.

- Mas ele tá querendo dá, uai. Ele quer e a gente come na boa. Tem que dá e tem quem come. Assim é a vida. Bora lá, Turcão?

- Porra, Catarro, não tô a fim não.

- Qual é, Turcão, tá cagando na reta, tá afinando. Larga a mão de ser viado. Tá todo mundo indo lá. É divertido!

- Bicho, não tô a fim. Não vejo graça nisso aí.

- Ih, olha lá, o Adriano é o maior viadão. Você é viado, cara!

E vários deles começaram a rir da minha cara, repetindo por várias vezes as expressões viado, viadão e outros adjetivos ofensivos à macheza da molecada daquele bairro. Lembro que na verdade nem me senti ofendido. Tentei explicar-lhes que “comer outro homem” não era atestado de masculinidade, mas completamente em vão. Lembro que no máximo eu me senti um pouco excluído, mas nada muito grave, que tenha me marcado. Com 11 ou 12 anos de idade, eu sabia que continuava sendo um deles, apesar de não gostar de penetrar outros meninos. Mais humilhante foi ter de prestar contas para a mãe do Leproso, meses depois:

- Eu quero saber quem fez maldade com meu filho – e apontava o dedo para cada um de nós, em uma inquisição assustadora, em plena luz do dia.

- Eu não comi o seu filho! – eu dizia, com bastante segurança, mas muito constrangido por usar aquela expressão para aquela senhora desesperada, a qual evitava a palavra comer ou qualquer termo que revelasse o que havia sido a tal maldade. Maldade foi a minha em ir direto ao assunto. Mas aquele contexto todo era mau por demais...

Ah, depois continuo a narrar aqui o sonho do palhaço triste. Vou dormir mais um pouco. A bateria está acabando e são 5:30 da manhã...

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