Wednesday, May 11, 2022

A COHAB onde eu nasci

Nasci no inverno, em junho de 1972, em uma Cohab. Para quem não sabe, Cohab é a sigla para conjunto habitacional, o qual é composto por casas populares, em bairros periféricos. 

Nasci então em um bairro de Ribeirão Preto, chamado Jardim Independência. Os terrenos tinham 250 m2, e as casas tinham 32 m2, sendo compostas somente por quarto, sala, cozinha e banheiro.

Creio que meus pais tenham se mudado para essa Cohab em 1970 ou 1971, quando meu irmão mais velho, Eduardo ainda tinha talvez somente alguns meses de idade.



Mesmo a casa sendo tão pequena, havia um gramado bem grande na frente, e o governo tinha plantado uma árvore sete copas na frente de cada uma das casas. Ela também é, em muitos lugares do Brasil, chamada de amendoeira-da-praia.




Alguns anos depois essas árvores cresceram, e a rua ficou muito mais bonita, porque era uma rua praticamente toda sombreada, muito bem arborizada. Tive a felicidade de passar minha infância em uma rua bonita, e bonita justamente porque havia muitas árvores, e muitas árvores grandes.

Aos poucos os moradores foram aumentando a área construída de suas casas, e construindo muros e grades em volta. Mas a maioria mantinha os jardins, nos quais havia plantas e flores.

As árvores faziam uma sombra muito agradável, e durante a noite acabavam muitas vezes produzindo uma boa escuridão, porque tapavam a luz dos postes, que estavam acima delas.

Essas árvores produzem um fruto comestível, de sabor muito ácido, que nós chamávamos de chupavim. Ele servia de alimento para muitos morcegos. Muitos de nós de vez em quando tentávamos comer os chupavins. Não era algo muito gostoso, mas era aquela história de pegar alguma coisa e mastigar, como adorávamos fazer com uma série de outros frutos, de outras árvores, que as pessoas plantavam em suas casas. Muitos tinham, por exemplo, pés de laranja e pés de goiaba em seus quintais.

E o chupavim, como é um fruto  um pouco menor que uma bola de pingue-pongue, era perfeito para nossas guerras, podendo ser arremessados com a mão ou com estilingues.

A rua tinha um pouco mais de 100 metros de extensão, e era bem calma, com pouquíssimos carros que por alí passavam. Então era nossa área de lazer, repleta de árvores e pronta para se jogar bola, fazer guerras de chupavins e as mais variadas brincadeiras.

A escola se localizava a cerca de 200 metros de onde morávamos, e me lembro muito bem que chegávamos até ela, andando, em um pouco mais de três minutos. Com sete anos de idade eu cronometrava tudo o que eu podia, em meu primeiro relógio de ponteiros, que eu e meu irmão mais velho havíamos ganhado de meu pai.

As dificuldades e os desafios foram os mais variados. Até 1976 a casa ainda tinha somente 32 m2. Meus pais dormiam no quarto, com meu irmão mais novo, e eu e meu irmão mais velho dormíamos juntos, em um colchão de solteiro, no chão na sala.

Minha mãe travou uma guerra intensa com meu pai, durante muitos meses, para que ele por fim tomasse a decisão de contratar alguns pedreiros, para pelo menos fazer um muro em volta da casa, com um portão, para que seus filhos pequenos não corressem para a rua, e assim corressem o risco de serem atropelados.

Não sei exatamente o motivo, mas ele ficou durante um tempo escondendo dinheiro de minha mãe, e não investia em um muro e um portão, para ter um pouco mais de proteção para a família.

Até 1976 eles tiveram uma vida conjugal muito turbulenta, com meu pai exibindo diversos episódios de violência, sendo que uma das lembranças que tenho é a dele muito bravo e descontrolado, jogando pratos cheio de comida no chão. Então tenho essa lembrança de minha infância, de pratos se espatifando, com comida e cacos voando para todos os lados.

Depois me lembro de muitos conhecidos, fazendo-lhe diversos elogios, de que ele era uma pessoa fabulosa, mas que tinha somente um defeito. Diziam que ele ficava muito alterado depois que bebia. Depois de algumas doses de cerveja, ou de bebida destilada, era comum que ele perdesse a paciência com alguma coisa e explodisse.

Porém, apesar de todas essas dificuldades, predominam em minha memória as boas lembranças dessa rua e do bairro onde passei minha infância e vivi até os 20 anos de idade.

A quase 100 metros dali, bem vizinha à nossa rua, havia uma linda praça, chamada Dante Alighieri, que era muito arborizada e continha muitos pinheiros.

Era maravilhoso brincar por lá, correr, andar de bicicleta e escalar alguns desses pinheiros, que tinham muitos galhos, e permitiam uma apreciação do bairro, nas alturas, na escuridão, acima dos postes. 

Dessa perspectiva, de escalar uma árvore alta, com muita facilidade, se produzia um sentimento grande de segurança, apesar de toda a altura em que nos projetávamos. Eram muitos galhos, e aquilo parecia algo mágico, como se tivéssemos uma escada, para subir tranquilamente em alguns daqueles pinheiros, de forma aparentemente bastante segura.

Os dias eram quentes, com sombras muito refrescantes. As noites eram escuras, entremeadas pela luz singela de alguns postes, com a percepção constante de que aquele era um local de certo modo até que abençoado.

Essa Cohab foi a vila mistificada de minha infância, da qual guardo preciosas e saborosas lembranças. Talvez sejam boas as histórias que tenho para contar...

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