Conheci jovens e adolescentes, principalmente em minha prática clínica, desiludidos com o caráter das pessoas, com o amor. E a maioria desses jovens é composta por celibatários involuntários (incels), geralmente homens que pensam, por exemplo, que "as mulheres não estão interessadas em homens honestos, de caráter, que sejam cidadãos de bem". Pensam que "mulher gosta é de bandido, de dinheiro".
E isso acaba sempre fazendo com que eu me lembre de quando entrei na USP, em 1991. Antes de entrar na USP eu tinha meu círculo de amizades e paqueras, e muitas vezes eu tinha o sentimento de que os caras com grana sempre estavam em vantagem.
Eu não chegava o ponto de pensar que mulher gosta de dinheiro ou que não havia qualquer espaço para mim no mundo. Eu não chegava a esse ponto, mas eu não sabia que era possível existir no mundo espaços e contextos onde claramente o caráter valesse mais do que o dinheiro.
E quando entrei na USP, para a minha surpresa, não era assim que funcionavam as coisas. Pelo menos ali, naquele contexto de centro acadêmico de Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto (a Filô), não era esse o padrão. Era outro, completamente diferente. Quando cheguei à USP, senti que havia chegado a um universo muito diferente. Meu círculo de convívio na USP era composto por pessoas que valorizavam, acima de tudo, capacidade de reflexão e caráter.
Os colegas que tinham mais respeito e moral entre nós eram aqueles que demonstravam ser mais desapegados de bens e dinheiro, os mais altruístas, os que tinham uma maior capacidade de reflexão e compreensão da realidade que os circundava e aqueles que demonstravam ter mais autenticidade e criatividade.
Naquele contexto ter um carro ou se vestir com roupas caras era algo que ficava completamente em segundo plano, era algo que era concebido literalmente como desprezível.
Então, de certo modo, ter entrado na USP foi para mim como ter entrado no paraíso, como ter chegado em algum lugar onde eu de fato poderia expandir ao máximo várias de minhas potencialidades como ser humano. Era o espaço privilegiado para que eu vivenciasse e treinasse ao máximo as minhas habilidades referentes aos traços que enumerei acima.
Era de fato um lugar extremamente propício para que eu me transformasse em uma pessoa melhor, em vários sentidos. Nos meios em que eu convivi havia constantemente uma preocupação com uma existência ética. E uma existência ética é algo completamente diferente de uma existência que somente segue as regras de uma moral dominante. Viver eticamente não é somente fazer o que parece ser bom. Viver eticamente é viver constantemente refletindo sobre o bem e o mal, sobre quais são os caminhos, nos mais variados contextos, que de fato vão produzir mais ou menos benefícios e malefícios.
E aí, há poucos dias, quando interagi com um jovem que se queixava do mundo, de que "as mulheres só gostam de bandido", onde "os jovens de hoje não valorizam o caráter", fiquei pensando em como o universo dessa pessoa estava restrito, em como ele não tem ideia de que existem sim nesse mundo muitas pessoas boas.
Fiquei pensando que esse jovem precisa ser acolhido, aceito e tolerado, com todas as intolerâncias que ele já apresenta, como sintomas reativos a um mundo do qual ele não está conseguindo obter amor. Ele, como muitos outros jovens celibatários involuntários, não conseguiu compreender que nem sempre as pessoas são tão ruins assim, que é sim possível um outro mundo, com muito mais amor do que esse mundo ridículo no qual eles estão isolados e presos.
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