Se você ainda não assistiu ao filme Coringa, uma sugestão para intensificar a experiência de imersão: vá sozinho(a), e saia sozinho(a) da sala de cinema
É um filme para se assistir sozinho, porque constantemente cutuca, mexe, mobiliza toda e qualquer parte nossa que pode estar se sentindo ou já se sentiu sozinha nessa vida.
E se ao sair do cinema sozinho(a), caminhando por onde você tiver de caminhar, você não se sentir, pelo menos durante alguns minutos, como alguém completamente estranho ao mundo e às pessoas que nele habitam, talvez seja bom repensar um pouco sobre sua capacidade de se colocar no lugar de pessoas que estão em uma situação de completo estranhamento e rejeição em sua relação com os outros.
Ou então talvez seja eu que esteja sendo muito moralista e exigente para com a singularidade da experiência que cada pessoa terá ao ser exposta a esta obra de arte.
Esse filme é uma obra de arte, uma obra prima. Tem o poder de fazer com que muitas pessoas se sensibilizem para o drama de ser diferente, e o quanto que uma sociedade socioculturalmente pobre (intolerante) pode transformar pessoas diferentes em pessoas com transtornos mentais.
Sei que o filme não trata especificamente disso, mas quero retomar dois parágrafos que escrevi aqui no Facebook, em 2012, inspirados na interação que tive com muitos de meus pacientes psicóticos:
"Se você é uma pessoa muito diferente, a qual nasceu e foi criada em um ambiente socioculturalmente rico (tolerante), o mundo fará de você um artista.
Contudo, se você é uma pessoa muito diferente, a qual nasceu e foi criada em um ambiente socioculturalmente pobre, o mundo fará de você um esquizofrênico."
Porque muito antes das pessoas adoecerem seriamente, elas muitas vezes são somente pessoas que estão se expressando de um modo um pouco diferente do usual. É comum, principalmente profissionais de saúde mental, apontarem para o problema da intolerância, para o problema de como a sociedade lida com quem tem transtornos mentais, e que é importante lutarmos para que essas pessoas sejam mais inseridas e menos discriminadas.
Sim, é muito importante todo esse movimento de maior inclusão das pessoas com transtornos mentais nos espaços públicos, na comunidade, porque é justamente esse movimento que vai facilitar todo o processo de recuperação. A luta antimanicomial é uma luta contra a mentalidade manicomial, de que essas pessoas devem ser isoladas, afastadas do convívio social. E isso concretamente se expressa na existência de hospitais psiquiátricos (manicômios) que tradicionalmente sempre se situaram distantes, fora da comunidade.
Porém algo que passou a chamar muito a minha atenção, conforme fui mergulhando mais no cotidiano de pacientes pré-psicóticos, é em como muito provavelmente a intolerância às diferenças e às singularidades é algo importante na produção de transtornos mentais tais como as psicoses.
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