É muito comum ouvir as pessoas dizendo, inclusive muitas pessoas do meio acadêmico de Psicologia, que a mudança deve se dar de dentro para fora, quando falam do que as pessoas devem fazer para mudar.
Utilizam expressões como "profunda mudança interior" ou a famosa expressão, no melhor estilo Paulo Coelho: "Se você não quiser, você não vai mudar. Para mudar, você precisa querer".
Mas em nenhum momento pensam que para querer a pessoa precisa antes mudar, alterar sua posição no mundo, seus contextos de ação, suas formas de interação. Porém, não tem jeito, logo aparecem outros lugares comuns: "O que perturba as pessoas não são os eventos, os fatos, os acontecimentos da vida, mas sim a concepção, o julgamento, a crença que têm sobre esses eventos." Aliás, essa ideia é geralmente atribuída a Epiteto (55-135 DC). No ocidente teria sido esse filósofo antigo o primeiro a defendê-la.
E não faltarão inclusive psicólogos difundindo que o modo como significamos uma experiência é que é o determinante de como iremos nos sentir.
O problema é que essas concepções são fundamentalmente equivocadas. Quando alguém afirma ser necessário que mudemos nossas crenças, a forma como significamos nossa realidade, para que possamos alterar o modo como nos sentimos, se esquece de fazer algumas perguntas:
Se nossas crenças determinam como nos sentimos em relação à realidade, o que devemos fazer para alterarmos nossas crenças?
Se nossas crenças determinam como nos sentimos em relação à realidade, seriam essas crenças anteriores às próprias estimulações do mundo em nós. Existe um ambiente, um mundo, um contexto do qual fazemos parte, seja ele físico ou social, e isso nos afeta constantemente. Nossas crenças provêm então daí, correto?
Não citei nomes de áreas da Psicologia anteriormente, mas agora faço questão de citar. Uma área, relativamente nova, a qual é também, em boa medida, equivocada, é a Psicologia Positiva, a começar pelo nome, que mais confunde do que esclarece. Esse nome dá a entender que o positivo é sempre benéfico, que o conceito de positividade está intrinsecamente relacionado ao que é benéfico, saudável. E isso de antemão já é um erro conceitual crasso. Se assim o fosse, um exame de HIV, com um resultado positivo nas mãos, seria sempre uma festa. Contudo, tanto na tradição científica quanto na tradição filosófica a positividade indica presença, e a negatividade, obviamente, indica ausência. A psicologia positiva, nesse sentido, não possui relação alguma com as tradições positivas.
Uma de minhas leituras na área de Psicologia Positiva foi o livro "Felicidade autêntica", de Martin Seligman. Trata-se de um compêndio de várias pesquisas que traçam possíveis correlações entre sentimentos (e emoções "positivas") e o bem-estar psicológico.
Alguns desses estudos levantaram dados em relação a conceitos tais como o de otimismo. Aliás, o autor simplesmente não faz qualquer tipo de consideração conceitual. Seu livro se resume elencar uma série de referências, as quais deixam o leitor sem saber exatamente o que é o otimismo, por exemplo. A impressão que tive é que Seligman somente quer convencer seus leitores de que as pessoas otimistas (seja lá o que isso signifique) são mais saudáveis, e que o otimismo seria, juntamente com algumas outras virtudes e qualidades, a causa do bem-estar como um todo, da saúde.
Isso reproduz alguns lugares comuns da indústria da autoajuda e do sucesso. Esses estudos de correlação não comprovam quais são os determinantes do bem-estar, da saúde. Estudos de correlação somente apontam para algumas relações entre eventos.
Se pessoas felizes são mais otimistas, é possível que sejam felizes porque são mais otimistas, mas também é possível que sejam otimistas porque são mais felizes ou saudáveis. Ou então tanto o otimismo, quanto o bem-estar e a saúde, são somente efeitos produzidos por alguma variável que não está presente nessa equação, nesses estudos. Não sabemos qual é a causa e qual é o efeito.
Fora o fato de que o conceito de otimismo pode ter vários significados, e isso nem mesmo é abordado em seu livro. Existe o otimismo da ideia, da ação, em relação ao presente e ao futuro. De qual desses quatro ele está falando?
Ok, tudo bem, vamos supor que ele esteja falando do otimismo em relação ao futuro, que é o mais alardeado pelo senso comum, e que de fato o otimismo seria uma das causas do bem-estar. Logo, a partir disso, é produzida uma regra social, a qual diz mais ou menos assim: "seja mais otimista, pois as pessoas otimistas são mais saudáveis".
Mas, como já falei anteriormente, isso deixa algumas questões importantes em aberto, e está muito longe de respondê-las. Se a pessoa precisa ser mais otimista, uma questão fundamental é como fazer para que ela seja mais otimista.
Porém, e se o otimismo, nossos comportamentos, nossos sentimentos, e inclusive nosso bem-estar, nossa saúde, forem somente efeitos e não causa do que quer que seja?
Há evidências acumuladas, por décadas de pesquisas experimentais, replicadas tanto com animais como com humanos, de que tudo isso aí, acima, é efeito e não causa de bem-estar e saúde.
Nossos sentimentos, crenças sensações, inclusive nossos comportamentos, são efeitos e não causas. São resultado de nossa interação com o mundo, com tudo que nos afeta, seja isso proveniente de algo que está fora de nós ou dentro de nós mesmos.
E não adianta ficar dizendo que esse dentro de nós mesmos é nossa mente, ou coisa parecida, porque quando procuramos a mente encontramos somente duas coisas: massa encefálica e interação com o mundo. E massa encefálica sem interação com o restante do corpo, e com o mundo, não é nada: é somente tecido morto.
E se você, como psicólogo, quer ajudar seus pacientes, de fato, procure compreender melhor como estão interagindo com o mundo e com os outros.
Se você, por exemplo, está muito preocupado se seus pacientes estão otimistas ou não, fique atento a uma coisa: as pessoas tendem a ficar mais otimistas quando suas vidas melhoram, quando suas interações se tornam mais saudáveis.