Saturday, August 31, 2019

Almoçando com o paciente

Não havia mais almoço, e João Paulo (nome fictício), um dos pacientes do CAPS, chegou um pouco atrasado no refeitório. Como eu ia almoçar no restaurante do fórum, que é bem perto do CAPS, convidei-o para irmos juntos, que a despesa ficava por minha conta.

Chegando lá, vimos que em uma mesa próxima estavam alguns estudantes da Escola Superior de Ciências da Saúde, onde também atuo, como docente.

Sentamos na mesma mesa que os estudantes. Um deles começou a conversar com João Paulo, fazendo-lhe diversas questões sobre o funcionamento do CAPS. E logo ficou claro para mim o que estava acontecendo ali: o estudante conversou com esse paciente de 10 a 15 minutos, sobre vários temas técnicos, tais como fluxo de funcionamento, rede de saúde mental e critérios de acolhimento, por exemplo, sem saber que João Paulo era paciente.

E, veja bem, não há problema algum nisso, porque muitos pacientes conhecem uma série de temas técnicos e todo o movimento de direitos humanos em saúde mental. As perspectivas mais atuais prevêem a participação popular. Então isso não é algo que deveria causar espanto.

- E lá no CAPS, qual é a sua especialidade? - perguntou o estudante.

- Eu sou médico, respondeu João Paulo.

A conversa se estendeu um pouco, e eu creio que tenha se dirigido mais especificamente para algumas políticas públicas. E aí então João Paulo começou a falar do que sempre falava quando se referia à sua identidade fictícia, sobre a qual muitos não sabem se se tratava de mitomania ou psicose: sua identidade de deputado federal.

- Meu projeto de lei na Câmara Federal vai justamente nesse sentido..., completava João Paulo.

- Você ajudou a elaborar esse projeto de lei como assessor de algum deputado?

- Não, eu elaborei o projeto, como deputado.

- Mas você não é médico lá no CAPS?

A partir desse ponto o estudante começou a olhar para mim com uma expressão de incredulidade, e achei então melhor eu revelar-lhe o que estava acontecendo.

- Adilson, esse é João Paulo. João Paulo é paciente do CAPS.

A expressão de Adilson (nome fictício) era de espanto, misturada com um sorriso contido. E a conversa prosseguiu, mais divertida do que antes.

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