Compreendo um pouco melhor a eleição e os apoios que Bolsonaro ainda recebe quando observo alguns conhecidos que votaram nele. São pessoas que eu conheço bem. São amigos, ex-amigos ou familiares, de cuja maioria ultimamente eu tenho tentado manter uma certa distância, para que a poeira baixe, para que a coisa não desande de vez. Porque às vezes é melhor deixar que o tempo e a realidade façam seu trabalho, aos poucos. Porque sabemos que bater de frente é geralmente apostar no erro.
E o que tem me chamado a atenção é que não todas, mas boa parte dessas pessoas são, em grande medida, ressentidas, pelos mais variados motivos. E do que é constituído o ressentimento? Fundamentalmente de um horizonte afetivo restrito que alimenta sua fidelidade ao ódio. Porque o ressentimento é essencialmente isso, por definição: fidelidade ao ódio.
O ressentido coleciona e cultiva sentimentos muito amargos em relação a pessoas que julga terem lhe causado mal. E por menor que tenha sido esse mal, no coração do ressentido tudo isso se transforma em uma grande tormenta, com histórias repletas dos mínimos detalhes a justificar todo seu ódio.
Porque o ressentido padece de um espírito de justiça que se afirma em continuamente alimentar-se pelos reflexos do labirinto de espelhos e da solidão na qual se perdeu justamente por, muitas vezes, ter colocado a promessa de felicidade absoluta no colo de uma única pessoa.
E aí, quando essa pessoa exibe uma única e mínima falha, eis a intolerância a vociferar. E o problema não é mais somente aquela pessoa que falhou. O ressentido dirige seu ódio para tudo o que, para ele, tenha semelhança com ela.
Existem vários tipos de ressentidos. Mas eu arriscaria dizer que são, cada um a seu modo, perfeccionistas. Alguns inclusive ostentam grande retidão moral, e parecem cumprir cada regra estabelecida pelas tradições nas quais foram criados. Mas não nos esqueçamos, contudo, que sempre existem pontos de fuga, pois volta meia a retidão moral se expressa somente como moralismo, como moral que somente deve ser aplicada aos outros e não a si mesmo.
Mas são perfeccionistas da ordem e da moral. Tudo, mesmo que isso se aplique somente aos outros, tem de estar na mais perfeita ordem. Sua expectativa para com os outros, principalmente para com as pessoas que alegam amar, é altíssima. Mas isso geralmente não se transmuta na relação com seus superiores. É, amiúde, uma relação impessoal (e completamente acrítica) de idolatria. O grande problema do ressentido é a relação com quem ele julga que é dono: cônjuges e filhos, principalmente.
E onde nasceram, foram criadas ou doutrinadas essas pessoas que estão ressentidas? Em contextos religiosos, tradicionalistas, conservadores, patriarcais, os quais costumam prometer a perfeição da pureza, da limpeza, da certeza e do bem absoluto. Então há ressentimento para com todos os segmentos sociais que lutaram (nesses pouco mais de 30 anos de democracia) pela mudança, pela ideia de que era possível fazer diferente. Mas há também certamente o ressentimento que cultivam em suas próprias relações pessoais e afetivas. Estão ressentidas, muito ressentidas, com ex-namoradas(os), ex-cônjuges e filhos.
O ressentido é alguém que tem em si um sentimento muito forte de que foi traído. Projetou suas profundas frustrações pessoais e afetivas na ordem do mundo. Em seu perfeccionismo moralista (porque no final das contas é isso que sobra) o mundo está dominado por devassidão e falsidade. Somente com limpezas (as mais diversas) e fogueiras é que a ordem será restabelecida.
Em sua expressão mais pura, esses ressentidos são, como ressaltou Alexandre Ioda, os zumbis, apoiadores da extrema direita, que continuarão vagando entre nós, mesmo após a queda dos que estão hoje no poder.
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