- Ah, mas o Lula não gosta do Bolsonaro não. Você vê que ele trata bem, que não fica falando mal, mas a gente sabe que ele odeia o Bolsonaro.
É disparatada, muito deslocada e atrapalhada essa fala. Mas foi isso o que ouvi essa noite, em uma conversa informal e tranquila, na qual as pessoas ficam à vontade para falar tudo o que pensam, sem muita restrição. E eu ouvia isso de alguém que claramente apresentava várias deficiências de formação.
Essa pessoa não compreendia o mínimo do que era a ação política em um regime democrático, de que os adversários políticos, nesse contexto, não são inimigos. Essa pessoa não compreendia que não se trata de se gostar ou não de tal pessoa, que no campo político-institucional as coisas não se dão, nem devem se dar, nesses termos, que simplesmente não se trata disso. Essa pessoa não compreendia essas e mais uma série de outras coisas básicas da vida, como um todo. Como muitos dizem: era uma fala de tiozão.
Mas aí de repente eu me dei conta da encrenca quando percebi quem estava falando isso pra mim. Era um ambiente um pouco festivo, e eu já tinha me esquecido que estava conversando ali, descontraidamente, há quase uma hora, com uma autoridade, de quem não fazia o menor sentido dizer o que estava dizendo. E quando eu de repente me dei por mim, olhando para aquela autoridade proferindo tamanhas asneiras, fiquei assustado, muito assustado. Sabe quem era a pessoa? O próprio, era o próprio Jair Bolsonaro quem me dizia aquilo, ontem à noite.
Me despedi e saí dali assustado, pensando que ninguém acreditaria que eu tinha ouvido tamanha sandice, tamanha asneira, tamanho disparate, da boca do presidente da república. E depois eu fiquei pensando em nossa conversa, em como ele era equivocado, como tinha dificuldades para articular as ideias, como era uma pessoa limitada, e até tive uma gota de compaixão.
Consegui, por alguns instantes, me compadecer de seu profundo despreparo, de sua inocência, de sua lerdeza de raciocínio, de quanto aquilo parecia mostrar para mim que eu ali na verdade conversava com alguém que estava doente, em processo de demenciação.
Era o curso da vida seriamente destruindo com os neurônios de um ser humano e, com isso, destruindo com sua própria vida e dignidade, e eu podia ali não somente discordar e lamentar tantos profundos equívocos (principalmente quando vindos de uma autoridade, de alguém com tanto poder), mas eu podia também me compadecer por aquele ser humano em estado de decrepitude física e mental (principalmente mental).
Era a senilidade se expressando de de forma cruel, porque destruía com a capacidade intelectual da pessoa em questão e assim, consequentemente, também com sua dignidade. Isso demandava um mínimo de respeito. E eu pensava assim: “O tempo desse sujeito já passou. Ele está no fim. Daqui a pouco será tudo pó. Não faz o menor sentido resistir com força ou bradar contra alguém assim”.
Um outro lado em mim, porém, também queria gritar pra todo mundo ouvir: “Vejam só com quem acabei de conversar e o tamanho das sandices e equívocos que acabei de ouvir! Acordem! Vocês, que votaram nele, acordem! Não percebem o que está acontecendo? Vocês não percebem que colocaram no poder o que há de mais ultrapassado, equivocado e decrépito?”.
Mas aí me dei conta de que eu não poderia sair por aí dizendo que havia conversado com o presidente da república e ouvido tais absurdos. E minha principal preocupação não eram possíveis processos judiciais por difamação. Eu pensava que seria antiético de minha parte divulgar o que alguém, que confiou em mim, havia me confidenciado em privado. Imagina, o cara tinha manifestado apreço por minha pessoa, ao ponto de ficar à vontade e mostrar o quanto era limitado e equivocado, e eu iria sair por aí divulgando isso? Iria sair por aí revelando o quanto ele havia mostrado para mim que era fraco e patético de dar pena?
Eu caminhava pelas ruas e sentia que isso seria, além de deslealdade, uma grande covardia. Eu poderia fazer de tudo para, depois dessa conversa, tentar demonstrar o quanto o presidente era bizarramente equivocado, principalmente em seus discursos e falas públicas. Mas jamais poderia revelar o que ele havia me dito em uma conversa informal e privada, em tom de confissão, como alguém que se revela a um amigo. No final da conversa ele me deu um abraço, me olhou nos olhos com um olhar senil e aparentemente carinhoso, e me disse:
- Adriano, gostei de conhecer você, rapaz! Ele é meio boiola assim, mas é um cabra muito gente boa, não é, Dudu? Hehehe... Apareça mais vezes por aqui! O Palácio da Alvorada é portas abertas pra você! Quando quiser é só dar um toque! Fala lá com a assessoria do Carlinhos e vem!
Pois é, eu conversei com o presidente da república essa noite. Entretanto, foi somente um sonho, enquanto dormia, um sonho ruim, um sonho que somente traduziu o que sinto e penso sobre quem foi eleito em 2018 e agora governa nosso país. E às vezes fico pensando se tudo isso não é um pesadelo do qual uma hora ainda acordaremos. E espero que, quando acordarmos, já não seja tarde demais...
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