Há atualmente no CAPS uma percepção generalizada de que houve um aumento significativo dos casos de tentativas reiteradas de suicídio e automutilação entre adultos jovens. Aparentemente uma quantidade maior de pacientes com esse perfil tem vindo ao CAPS em busca de ajuda.
Em termos gerais não acho muito difícil de compreender, ou de acreditar que tenho hipóteses plausíveis sobre o que está acontecendo. O suicídio é hoje um tabu muito menos incisivo do que era há cerca de 30 ou 40 anos, quando as pessoas não conversavam sobre isso, e quando a maioria talvez nem mesmo tinha a menor ideia de que isso pudesse ser feito.
Eu mesmo, pessoalmente, há cerca de 30 anos, tinha um bloqueio enorme em relação a qualquer coisa que pudesse se relacionar a isso. Eu sentia o suicídio como alguma coisa sobre a qual simplesmente era proibido até mesmo se pensar a respeito. Havia, nos grupos sociais com os quais eu convivia, uma carga negativa muito grande relacionada à possibilidade de se fazer algo desse tipo.
Quando algo deixa de ser tabu há a possibilidade de prevenção de vários casos, mas há também uma maior aproximação (do que antes era considerado tabu) de muitas outras pessoas que muitas vezes nem estariam pensando sobre essa possibilidade.
Com o desenvolvimento social penso que muita coisa deixa de ser tabu. Isso é bom, porque aumenta o leque de opções que as pessoas têm. Contudo, no rol destas opções há também a opção de dar cabo da própria vida.
Outra coisa que também facilita demais o comportamento suicida é a diminuição de uma vida comunitária consistente, que é muitas vezes um efeito colateral do aumento cultivo da individualidade. Esse é um sinal dos tempos atuais. As pessoas então com frequência se veem isoladas, se sentindo muito solitárias em ter que dar conta de uma série de coisas que anteriormente eram muito mais compartilhadas no seio da família ou da comunidade. Como os laços comunitários e familiares estão mais diluídos, a tendência é que o comportamento suicida ocorra com maior frequência.
Fora o fato de que existe o feedback positivo: quanto mais tentativas existirem, mais pessoas terão modelos de comportamento suicida, e mais pessoas inspirarão umas às outras para tentar o autoextermínio.
Isso sem falar em toda a questão da psicopatologização da vida cotidiana, e de como isso acaba implicando em um contexto que ainda trata tudo isso dentro da esfera biomédica, e com todas as consequências relativas a atestados e licenças médicas, por exemplo. Ou seja: a concepção de que existe doença, e de como isso se reflete no comportamento das pessoas que passam assim a conseguir também uma maneira de interagir com o mundo por meio de tentativas de suicídio e automutilação. Não nos esqueçamos: se um comportamento existe, e perdura, é porque tem função.
Portanto, no contexto sociocultural em que vivemos, tentar ou ameaçar um suicídio é algo que gera um efeito significativo no mundo, nas pessoas. Tentativas de suicídio e automutilação geram consequências, geram mudanças na realidade de quem assim se comporta. Coisa que talvez há 50 anos não fosse assim tão clara ou até mesmo possível.
E em relação ao fato das taxas de suicídio serem de modo geral mais altas nos países ricos do que nos países pobres, penso que para isso há a contribuição significativa de alguns fatores, tais como:
- Maior secularização da sociedade: que contribui para o enfraquecimento das religiões, as quais possuem forte papel de coesão e coerção social em direção à homogeneização do comportamento, com consequente pressão para a formação de tabus que ajudam a prevenir o suicídio. Isso também ajuda intensificar o individualismo, e este, na minha percepção, possui relação com o aumento de taxas de autoextermínio.
- Maiores níveis de industrialização, os quais possuem associação com o aumento de doenças inflamatórias crônicas, cuja correlação com a incidência de alguns transtornos mentais é algo verificado por uma série de estudos.
- Mais acesso a meios, devido a maiores níveis de industrialização, que por si só dispõem uma variedade maior de produtos e opções, e um poder de compra maior. Além de existirem mais meios para tal, associa-se a isso o fato da população ter mais capacidade de adquirir esses recursos.
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