Havia um paciente na UTI, recém-chegado, que ainda estava inconsciente. Pela leitura das evoluções de seu caso, em seu prontuário, vi que se tratava de um homem de 44 anos de idade, portador de necessidades especiais. "Retardo mental moderado", era o que estava escrito.
No horário de visitas, fiz a ronda de rotina, indo de leito em leito, para ouvir, orientar e ajudar as pessoas que estavam ali, visitando seus familiares ou entes próximos.
Esse paciente ainda dormia e do lado de seu leito estava sua irmã, que era mais jovem do que ele, mas tão preocupada e aflita quanto a mãe de uma criança.
- Eu e meus irmãos estamos muito tensos com a situação dele. Se ele acordar, e nós não estivermos aqui, ele vai entrar em pânico...
Ela estava bastante aflita, porque já havia conversado com a equipe, e não haviam autorizado que ela ou qualquer outro familiar permanecessem junto ao leito, depois do horário de visitas.
- Ele tem a idade mental de 8 anos. É como uma criança. E eu sei que crianças têm o direito a um acompanhante por tempo integral.
Tínhamos então ali um paciente em uma condição especial, que demandava um cuidado especial, diferenciado. Porque se tratava na verdade de alguém que sentia e percebia o mundo como uma criança, e que portanto deveria ser tratado como uma criança.
Ouvindo sua queixa, e percebendo seu desespero, que era real e fundamentado, não hesitei. Recomendei que fosse à ouvidoria, e se isso não fosse suficiente, que acionasse o ministério público.
Tentei orientá-la nesse sentido, da forma mais sutil e discreta possível, para que ninguém da equipe percebesse o que eu estava fazendo.
Mas infelizmente não teve jeito. Minha chefe percebeu o que eu estava fazendo, e em poucos segundos estávamos cercados por umas três ou quatro pessoas da equipe, que tentavam justificar para ela por que estavam adotando aqueles procedimentos.
E eu mesmo não conseguia entender e nem aceitar aquilo. Mas me mantive em silêncio, com um olhar cúmplice para ela, imaginando que eu havia feito o que era eticamente correto. Apesar de saber que aquele seria mais um incidente complicado em meu histórico naquele ambiente, que já estava bastante perdido em relação à humanização.
Essa não foi a primeira nem a última vez que eu me colocava em um posicionamento tão desconfortável para com o restante da equipe, e isso gerou para mim um clima muito ruim de interação social e profissional com essas pessoas. Era péssimo e às vezes torturante ter de trabalhar ali em alguns dias da semana, porque no restante deles eu estava no CAPS e na Escola Superior de Ciências da Saúde.
Por sorte já estou fora daquele ambiente há mais de 3 anos, e não quero nunca mais trabalhar em um hospital.
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