Da minha observação e experiência clínica, concebo que os transtornos de ansiedade possuem geralmente duas fontes de determinação.
A primeira se relaciona a um processo de sensibilização em relação a determinados estímulos, o qual se instala após alguma experiência traumatizante. A segunda fonte se relaciona a uma diminuição da qualidade de vida como um todo.
É geralmente essa segunda fonte de determinação de sintomas de ansiedade a que com frequência é menos percebida por quem está padecendo dessa condição.
Nesse caso a pessoa de repente, no correr da vida, em seu cotidiano, se percebe muito tensa, preocupada, ou com medo de uma série de coisas das quais antes não tinha medo, e não consegue perceber porque está se sentindo assim.
E sentir medo sem saber por que está sentindo medo em muitos casos tende a acentuar os sintomas de ansiedade. Gera mais sensações de falta de orientação, da falta de um terreno sólido sobre o qual se está pisando, e isso somente piora a situação, o quadro de sintomas ansiosos.
E nesses casos não faz muito sentido somente um trabalho de exposição gradual às coisas das quais a pessoa está relatando que vem sentindo medo. Ou seja, nesse caso, com uma certa frequência, não faz muito sentido somente a utilização de dessensibilização sistemática, a qual é mais facilmente compreendida pelo jargão de que é preciso simplesmente enfrentar aquilo do qual se tem medo.
Em casos assim é mais eficaz um trabalho intenso de investigação de como a vida se tornou pior, pois uma vida que de repente perde sua qualidade de fruição, de ser uma boa vida, ou de ser uma vida na qual as coisas tinham uma estabilidade suficiente para que ela caminhasse de modo saudável, é um terreno fértil para ansiedade.
E esse terreno fértil para a ansiedade, em muitos casos, se estabelece após decepções, frustrações ou perdas significativas. Um coração partido é uma terra fértil para sintomas ansiosos.
Em boa parte dos casos há primeiro uma precipitação de sintomas de ansiedade, os quais depois vão se transformando ou progredindo para sintomas de depressão: primeiro existe a agitação, a tensão, o medo, os quais costumam gerar ações na tentativa de autoproteção ou isolamento o que, por sua vez, retroalimenta os sintomas de ansiedade. Ou seja: quanto mais o sujeito se protege mais medo sente. Depois da tempestade vem a tristeza.
Mas por que escrevi que depois da tempestade vem a tristeza? Escrevi isso porque infelizmente, com a progressão dos sintomas, depois da tempestade não vem a bonança. Depois dos sintomas de ansiedade, da tentativa desesperada de se proteger, a pessoa acaba se deparando com o isolamento, com a solidão. Porque as tentativas de proteção geralmente mais contribuem para o enfraquecimento dos repertórios do sujeito do que para a multiplicação de suas opções de enfrentamento e resolução de seu drama. Quanto mais a pessoa se protege mais medo passa a ter.
Então um trabalho de dessensibilização sistemática, de exposição gradual às coisas das quais se tem medo, geralmente terá somente um papel de prevenção da acentuação de sintomas de ansiedade. É somente um trabalho de quebra de um ciclo vicioso, no qual as tentativas de autoproteção somente incorrem no agravamento dos sintomas.
Em direção a uma recuperação mais ampla é necessário um trabalho de investigação das decepções, perdas e frustrações que levaram a uma diminuição geral da qualidade de vida. E obviamente todo esse trabalho deve sempre ser realizado sem nunca nos esquecermos de uma série de outros componentes de nossa interação com o mundo, os quais dizem respeito, por exemplo, grosso modo, à alimentação, prática de exercícios físicos, exposição à luz solar, comorbidades e vários outros para os quais existem evidências científicas de sua repercussão na saúde mental.
Esse trabalho de investigação dos determinantes da piora na qualidade de vida visa primeiramente a construção de hipóteses que possam posteriormente ser testadas. Desse trabalho surgem hipóteses. Após o surgimento dessas hipóteses é necessária a construção, juntamente com o paciente, de um planejamento de intervenção na realidade, de testagem dessas hipóteses.
É comum, após a produção de algumas hipóteses, o surgimento de algumas tarefas que terão de ser realizadas fora das sessões de psicoterapia. E essas tarefas devem surgir de um trabalho conjunto entre terapeuta e paciente. Essas tarefas jamais devem ser produzidas ou direcionadas de modo unilateral. O terapeuta não deve simplesmente pedir para que o paciente realize algumas tarefas em casa. O terapeuta deve sempre negociar com o paciente o que este sente que tem condições para realizar.
O terapeuta pode sugerir esta ou aquela atividade, mas não pode nunca se esquecer de verificar com o paciente quais são os seus limites, inclinações e desejos, porque não faz o menor sentido sugerir alguma coisa para a qual não haverá motivação de realização.
E mesmo que o paciente tenha garantido que tinha motivação para a realização de uma simples tarefa, e se comprometido a realizá-la, quando não cumpre o que foi combinado também não faz o menor sentido produzir consequências aversivas para isso. Ou seja: não faz o menor sentido punir. Se não realizou a tarefa, temos sempre de abrir novamente a investigação para descobrirmos o que aconteceu para que não realizasse a tarefa. O trabalho de um terapeuta é um trabalho constante, em conjunto com o paciente, de investigação e teste de hipóteses.
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