CRÍTICA DO SENSO COMUM E PROSA - Quem quiser adquirir o livro, acesse o link do canto superior direito
Saturday, September 30, 2023
Podemos curar?
Friday, September 22, 2023
Fé? Não, desapego.
Wednesday, September 20, 2023
Diálogo e TDAH
Saturday, September 16, 2023
Os transtornos mentais e sua complexidade
Está circulando um meme daqueles que tenta comparar doenças (que as pessoas classificam como físicas) com depressão ou os mais diversos transtornos psicológicos. É novamente a tentativa de se mostrar que a depressão é muito mais séria do que as pessoas imaginam, e que deveria ter as mesmas considerações e cuidados que as "doenças físicas" têm.
Neste meme há um quadrinho onde está escrito "Infecção", e ali existe uma série de ilustrações que denotam cuidados por parte das outras pessoas, desejando melhoras, mandando presentes, flores, etc.
No outro quadrinho está escrito "Depressão" e há somente a palavra "Silêncio".
O problema é que esse quadro dificilmente será completamente alterado. Dificilmente ocorrerá equivalência das duas coisas. Enquanto não houver tecnologias que possam demonstrar materialmente, laboratorialmente, a existência de uma depressão, esse quadro tenderá a permanecer inalterado.
Fora o fato de que o fenômeno da depressão é muito mais complexo do que o de uma infecção. A depressão também sofre influência das interações com outras pessoas, podendo melhorar ou se agravar em função disso.
O comportamento depressivo pode ser punido e assim se agravar. O deprimido que está constantemente reclamando pode, sem perceber, afastar ainda mais as pessoas, e assim piorar seus sentimentos de solidão e baixa autoestima.
Ouvir atentamente uma pessoa deprimida, que está bastante queixosa, pode fazer com que ela se sinta acolhida em alguns contextos. E em outros pode fazer com que esses comportamentos depressivos aumentem em frequência.
Algumas pessoas podem fazer o uso do diagnóstico ou do rótulo de depressão para se esquivar de obrigações, responsabilidades ou se proteger de juízos condenatórios. Outras pessoas, em outros contextos, talvez precisem desse rótulo ou diagnóstico para parar, descansar e cuidar um pouco
mais de sua saúde que, diante de tantas ameaças ou atribulações, está realmente prejudicada ou em risco.
Muitos talvez precisem urgentemente dessa equivalência com uma infecção, para que possam ser devidamente cuidados e amados. Outros podem, em função dessa equivalência, se enfraquecer e adoecer ainda mais.
E uma coisa é fato: todos precisamos de reconhecimento, companheirismo, respeito e carinho, e não somente quando estamos doentes. Porque isso nos fortalece como um todo, ajudando a prevenir os mais diversos problemas de saúde, inclusive a depressão.
Não existe sofrimento útil
Quando alguém chega até mim, dizendo "O que não mata, fortalece", e ainda por cima tentando dar uma de erudito, de que essa teria sido uma alegação de Nietzsche, eu olho para a pessoa e respondo, com tranquilidade:
- Ah, sim, entendi: o que não mata, engorda...
E, claro, não deixo de fazer as minhas considerações, de que há também aquilo que não mata, mas deixa sequelas, irreversíveis.
Quem acredita que a sobrevivência é sempre fortalecedora, não compreende (ou se nega a compreender) o que é uma sobrevivência sequelada e moribunda.
E há também aqueles que dão continuidade a tais ideias, com a concepção de que todo sofrimento é útil ou fortalecedor. E realmente também não se trata disso. Porque não se trata de ser útil ou inútil. Esse tipo de qualificação não cabe ao sofrimento, que é somente evitável ou inevitável. Sendo que muitos sofrimentos, que outrora eram concebidos como inevitáveis, hoje, após alguns avanços técnicos e tecnológicos, não são mais.
Sentir dor durante a extração de um dente talvez fosse algo inevitável há alguns séculos, mas hoje definitivamente não é inevitável e nem desejável. Para quem me diz que todo sofrimento fortalece, prontamente recomendo que vá ao dentista e faça todos os procedimentos sem anestesia. Porque, em tese então, sairá dali do jeitinho que prega: fortalecido. Se o sofrimento fortalece, não use anestesia. É bem simples.
Esses, que fazem elogio do sofrimento, parecem não ter a menor ideia de que atualmente existem as mais variadas técnicas para produzir fortalecimento com muito menos sofrimento ou sequer sofrimento algum. Negar isso é desconhecer completamente a função das artes, dos jogos, de uma série de atividades lúdicas em grupo e de uma variedade de criações humanas que produzem fortalecimento com envolvimento e diversão.
E quando não há diversão, há pelo menos respeito pelos limiares de cada pessoa, sabendo-se que é possível se fortalecer por meio de aproximações sucessivas e não simplesmente com cassetadas ou coerções.
E o sofrimento é de fato realmente útil para quem se empodera com o sofrimento alheio. Porque tiranos, psicopatas e os mais variados tipos de pessoas e ideologias abusivas têm que ter algum meio para justificar suas atrocidades.