Monday, April 16, 2018

Fazer aconselhamento psicológico não é a mesma coisa do que dar conselhos

Fazer aconselhamento psicológico não é a mesma coisa do que dar conselhos. Para introduzir essa questão quero mencionar o ocorrido durante um atendimento, no qual um estudante de enfermagem atendia uma paciente, sob minha supervisão e a de um enfermeiro:

- Você estuda? - indagou ele.

- Não. Eu parei de estudar no ano passado.

- É importante! Volte a estudar. Volte estudar que isso vai ser importante para a sua vida!

Ele não investigou os motivos daquela paciente ter parado de estudar. Simplesmente recomendou que ela deveria voltar a estudar, sem saber qual era a condição e motivação dela para tal.

Conselhos são recomendações gerais que não levam em conta as condições específicas nas quais as pessoas estão inseridas. O conselheiro tem a ilusão de que a pessoa irá placidamente obedecê-lo, de que basta prescrever alguma coisa, com sua autoridade, para que o outro passe a executar o que foi recomendado. 

A paciente acima deve ter ouvido por diversas vezes a mesma coisa, que estudar era muito importante ou algo parecido, e estava ali, diante de um futuro enfermeiro, a ouvir a mesmíssima recomendação.

Também é comum se ouvir, a partir de quem está fazendo algum conselho, recomendações de como as pessoas devem ou não se sentir, o que também não faz muito sentido, porque as pessoas não se sentem assim ou assado em função de recomendações de como devem se sentir.

Quem dá conselhos tenta pular etapas e acredita que assim irá produzir alterações instantâneas nos comportamentos e realidades alheias. Quem está dando um conselho geralmente está totalmente alheio às motivações de quem está sendo aconselhado.

Lembro-me também, inclusive, de um relato de Drauzio Varella, ao recomendar que as pessoas façam atividades físicas regularmente, e sobre como reage quando lhe dizem que não têm tempo para isso. Ele simplesmente responde para essas pessoas que o problema é delas.

Compreendo que boa parte dos médicos costuma agir assim, somente com conselhos, recomendações ou prescrições rápidas. O psicólogo contudo não pode, em momento algum, agir assim. 

É importante também que as pessoas tenham seu próprio tempo e autonomia para, por vezes, aos poucos, sozinhas, irem resolvendo seus problemas. Contudo, afirmar que o problema é somente delas geralmente não é de muita utilidade. 

O aconselhamento é um processo constante de investigação das razões e motivações pelas quais as pessoas estão fazendo ou deixando de fazer as coisas. A partir disso iremos (nós, profissionais do aconselhamento), juntos com essas pessoas, descobrir qual é a melhor forma para elas, em particular, para que consigam realizar esta ou aquela atividade.

Cada um vai encontrar um jeito específico para se engajar ou se motivar em relação às mais variadas atividades dessa vida. Então não basta por exemplo recomendar que as pessoas simplesmente façam atividades físicas. Temos de descobrir, junto com elas, se terão condições de realizar alguma atividade física. Temos de, junto com elas, descobrir qual é especificamente a atividade, e em qual contexto ela poderá ser realizada.

E isso não quer dizer que, em um processo de aconselhamento, não seja possível se recomendar alguma coisa. Isso também é possível. Contudo, nesse processo as recomendações são sempre postas à prova. 

A forma literal com que é feita uma recomendação pode até mesmo ser a mesma ou muito parecida com a forma de conselhos simples. A diferença é que, em um processo de aconselhamento, as recomendações são sempre postas em discussão. Sempre se pede ao paciente que reflita sobre a recomendação que está sendo feita, se ela de fato faz sentido ou se aplica ao seu contexto específico:

"O que você acha? Faz sentido o que estou lhe dizendo? (...) Estou falando muita besteira? (...) Você acha que teria condições de fazer isso? (...) Por que não tentar?"

O conselho é geralmente um ato sumário, violento, indiferente às condições específicas nas quais a pessoa aconselhada está vivendo. O aconselhamento, por sua vez, tem relação com estar junto, com o acompanhamento, escuta e observação constantes de como o outro vem se relacionando com os outros e o mundo. 

É um mergulho reiterado, insistente e constante no mundo do outro, sempre de mãos dadas com ele. Jamais para simplesmente arrastá-lo para as cercanias de nossas suspeitas e hipóteses. Mas constantemente em direção às profundezas dos sentimentos e motivações de alguém que sempre irá renovar seu mistério na relação conosco.

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