Monday, September 18, 2017

Setembro amarelo e solidariedade no Facebook

Todo ano, em setembro, mês em que a prevenção ao suicídio é debatida e incentivada no mundo inteiro, muitos estão postando que estão disponíveis para receber um amigo, para ouvir as pessoas, muitos inclusive estão até dando​ a entender que estão disponíveis para ouvir qualquer pessoa, qualquer desconhecido que faça parte de seus contatos aqui no Facebook, por exemplo. 

Há quem diga que sua casa está aberta para receber qualquer um que estiver se sentindo deprimido, triste e com pensamentos suicidas.

Lendo assim, superficialmente, sem pensar muito, esse tipo de postagem soa pra mim como algo muito interessante, agradável, o qual até me faz lembrar de algumas interações sociais que são muito comuns no interior do Brasil, em cidades pequenas. 

Acho bonito, e não vejo muitos problemas no fato das pessoas estarem mostrando que querem estar presentes, ouvindo umas às outras, que querem tentar ajudar, na medida do possível. Acho bonita essa tentativa de retomar algumas práticas que talvez tenham ficado um pouco perdidas no tempo: as pessoas sentadas em frente às suas casas, as casas mais de portas abertas, vizinhos mais perto uns dos outros, mais eventos populares, feiras livres, mais práticas que facilitam o encontro das pessoas.

Existem diversas e fortes evidências, inclusive advindas de pesquisas científicas consistentes, as quais demonstram que a maior parte de nosso bem-estar psicológico, inclusive nosso bem-estar geral, se devem às nossas interações com outras pessoas. Quanto mais essas interações forem presentes, frequentes e saudáveis, mais saúde e longevidade as pessoas tendem a ter. (1,2,3,4)

Então o isolamento social é realmente um fator importante no desencadeamento de uma série de malefícios para a saúde. Cidades com mais densidade demográfica, mais proximidade física entre as pessoas, tendem a apresentar melhores indicadores de saúde. (2)

O suicídio é caracterizado por um contexto de isolamento. O suicida é alguém que se sente muitíssimo sozinho, entregue a si mesmo, isolado, apartado do restante das pessoas com as quais não consegue se comunicar, das quais não consegue obter ajuda. O desamparo, em uma de suas formas mais intensas e dolorosas, é uma marca característica do contexto de alguém que está pensando em dar cabo de sua própria vida. Essa é possivelmente a maior decisão que alguém pode tomar em relação a si mesmo, e o suicida está lidando com tudo isso absolutamente sozinho. 

Poder falar livremente sobre seus sentimentos e seu desejo de morrer é certamente uma das formas para se encontrar alívio ou alternativas para seu dilema fundamental: diminui a sensação de isolamento e costuma fortalecer laços com outras pessoas, o que pode fazer com que o peso da vida e o sofrimento sejam amenizados.

Portanto não vejo muitos problemas nas pessoas demonstrarem que estão abertas umas para as outras, que querem mais interação. 

Se esse desejo for genuíno penso que bons frutos podem ser colhidos. Contudo muitas pessoas somente perceberão se esse desejo é genuíno, ou quais são seus limites, quando se depararem com a realidade de pessoas deprimidas, suicidas ou desconhecidas, sistematicamente procurando-as para conversarem.

Eu, como psicólogo, feliz ou infelizmente, não me sinto em condições de fazer uma postagem como essa, a qual faz convites indiscriminados para que qualquer pessoa me procure no caso de estar se sentindo isolada, deprimida ou com pensamentos suicidas. As pessoas que me são próximas sabem que podem contar comigo. Podem contar comigo não como um psicoterapeuta, mas como um amigo, como aquele que pode oferecer uma ajuda genérica, informal, que não é profissional​ nem sistemática. 

Um amigo portanto está muito mais sujeito a errar do que um profissional, porque o espaço em que os dois atuam é completamente diferente. Um amigo ouve muitas vezes meio que de qualquer jeito, na rua, em casa, correndo, brincando, fazendo outras coisas. A amizade é essencialmente um espaço livre para a ocorrência de erros, e isso obviamente não pode constituir o contexto de uma relação psicoterapêutica. 

Um psicoterapeuta irá se concentrar mais profundamente no que o outro está dizendo. Haverá espaços específicos para isso, com uma delimitação marcante, clara e contratual do tempo que estarão juntos, e de como deve ser essa interação. É um contexto repleto de regras e controles, os quais não estão presentes em uma relação entre amigos. 

Finalizando, se eu pudesse dizer alguma coisa a quem está fazendo convites indiscriminados às pessoas, nas redes sociais (para irem até sua casa, para serem ouvidas ou para oferecer uma companhia), eu somente pediria para que fiquem atentas aos seus próprios limites. Vocês de fato terão condições de receber e ouvir qualquer pessoa, qualquer desconhecido que leu seu convite, sua postagem?

Talvez muitas dessas pessoas somente venham a perceber seus próprios limites quando começarem a "se deparar com desconhecidos, a qualquer hora do dia ou da noite, batendo à sua porta". 

Postagens como essa me fazem lembrar de uma coisa que julgo como relevante para esse debate: precisamos também repensar as as formas de organização do espaço urbano, na forma como as pessoas estão se encontrando, se existem espaços e contextos que facilitam o encontro, porque a prevenção do suicídio tem uma relação muito grande com a prevenção do isolamento social, o qual certamente tem um papel importante em fazer com que a vida se torna mais frágil e carente de sentido.

Referências:

1. O que faz uma boa vida? Lições do estudo mais longo sobre a felicidade, Robert Waldinger (https://goo.gl/En5ZJc)

2. O maior determinante da felicidade (https://goo.gl/nN4nZN)

3. O segredo para viver mais tempo pode ser sua vida social - Susan Pinker (https://goo.gl/UkhdJ6)

4. Grant Study (https://goo.gl/Rro9bM)

1 comment:

Unknown said...
This comment has been removed by the author.