CRÍTICA DO SENSO COMUM E PROSA - Quem quiser adquirir o livro, acesse o link do canto superior direito
Thursday, December 30, 2010
É igual picada de cobra
Sunday, November 28, 2010
“A burrice é contagiosa”
Thursday, October 21, 2010
Serristas e dilmistas esclarecidos
Digo evidências significativas para falar de eventos e informações as mais diversas, as quais são levadas em conta, por estes eleitores esclarecidos, no balanço geral que fazem dos dois modos de governar. O que pesa mais na balança (o que é significativo) deste eleitorado?
Sunday, September 05, 2010
Com Deus não se brinca?
Tuesday, August 10, 2010
A morte e o medo de ser esquecido
Sunday, August 01, 2010
“A vida é curta”?
Nem curta, nem longa. Sem ensaio, replay, nem prorrogação, ela é o que é: uma só. Esse “uma só” é negado por muita gente. E aí pode ser que advenha o lugar comum de que ela é curta. Como não podemos ensaiar, nem fazer de novo (recomeçar do zero), parece que é curta. Como não podemos viver outra vez, uma segunda vez, pode parecer que é isso: curta. Eis o juízo de valor, a definição particular, subjetiva. Curta? Pra quem? Comparado a que? O que é curto para uns pode não ser para outros. O que as pessoas estão tentando dizer quando assim enunciam?
Não há coisa mais subjetiva e individual do que a vivência do tempo. É a temporalidade, o como cada um experencia a passagem do tempo. O que demora mais: uma hora namorando ou uma hora a padecer na cadeira do dentista? Ah, sim, “tudo o que é bom passa rápido”...
Cena típica: imagine uma criança a se divertir intensamente em uma festa ou parque de diversões, quando chegam os pais e anunciam que o tempo acabou, que já é hora de ir embora. Ela já vai aprendendo cedo o lugar comum: “tudo o que é bom acaba rápido”. Assim como os adultos que vivem a dizer que a vida é curta. Não querem deixar o parque de diversões da vida ou tudo aquilo que ela poderia ter sido e não foi. Ainda não se satisfizeram. A insatisfação com tudo o que a vida poderia ter nos dado pode nos fazer dizer: “a vida é curta”.
Sim, curta. “Não fiz tudo o que eu poderia ter feito”. “Não tive uma segunda chance, ou um tempo a mais, para tentar de novo”. “Não aproveitei o suficiente”. Mas também que saco esse mandamento atual de aproveitar ao máximo, tirar tudo o que a vida pode dar. Parece maximização de lucros. Quanto mais você tirar da vida, mais lucro você tem.
E nessa trilha não faltam também as imagens estereotipadas do que seja aproveitar a vida: viajar para tudo o que é lugar, explorar todas as infinitas distâncias do planeta (e acima de tudo, gabar-se por isso, mesmo que de modo disfarçado); enfrentar as maiores adversidades em espírito esportivo e elegante de aventura, com demonstração suprema de saúde e superação do restante dos mortais (enfim, poder...); viver as emoções intensas todas que a vida humana, ou sobrehumana, pode proporcionar; arriscar, estar sempre um passo além; sentir-se vivo em toda a intensidade possível; estar no cume dos mundos e pode urrar de prazer ou alegria. Eis o estereótipo mais comum do que seja aproveitar ou viver bem a vida.
Costumo fazer essa pergunta às pessoas: “O que é aproveitar a vida pra você”? Grande parte, obviamente, traz este estereótipo: viver o máximo possível em altíssima intensidade. Costumo pedir por imagens: “Que imagem lhe ocorre quando você pensa no que é aproveitar a vida, pra você?”. Há quem cite imagens de coisas totalmente distantes de seu cotidiano ou mesmo ausentes em sua própria história de vida. Citam coisas absurdas, megalômanas, que nunca fizeram. Como se a imagem do que é aproveitar a vida estivesse somente estampada nas revistas de celebridades. Outros citam imagens do que já viveram e padecem de nostalgia. E há também os que citam coisas de seu próprio cotidiano, muitas vezes bem simples, as quais habitualmente visitam ou realizam.
Os primeiros, convenhamos, não devem estar felizes. Os nostálgicos, por sua vez, não se cansam de dizer que eram felizes e não sabiam (o que também, penso eu, está carregado de ilusões). E os últimos são os que, de modo geral, sem muitos artifícios ou arsenais de felicidade, estão aproveitando a vida em sua simplicidade e dentro do que ela pode dar.
Agora, se me perguntassem o que é aproveitar a vida, pra mim, em uma imagem, eu responderia: “Pra mim, aproveitar a vida é boiar”. Sim, boiar. Quando estou flutuando, na água, com os ouvidos imersos e a cabeça imersa no universo, sinto que estou aproveitando a vida em sua plenitude. Isso mesmo, desse jeitinho: quieto, isolado e casado com o universo, seja lá como isso tiver de acontecer: boiando, correndo, namorando, escrevendo, comendo, conversando, dormindo, caminhando, capinando ou mesmo lavando louças.
Thursday, July 15, 2010
Projeto de lei que proíbe a palmada. Parte 2: O que a Psicologia tem a dizer sobre isso?
Monday, July 05, 2010
Deus e a questão do mal
A questão do mal é uma questão clássica em metafísica e filosofia cristã. Uma definição plausível para o mal é concebê-lo como toda e qualquer forma de sofrimento. Se algum ser sofre, eis o mal. Alguns objetarão: não, o mal diz respeito somente aos sofrimentos injustos ou injustificados. Pois “há males que vêm para o bem”, e estes seriam os justificados, os sofrimentos que possuem alguma utilidade. Exemplo: você vai ao dentista, sofre um pouco, mas previne males muito maiores. Mas a grande questão é que há males, sofrimentos, cuja utilidade não compreendemos, e cuja injustiça também é alarmante. E eis aí a questão: se Deus pode tudo e é absolutamente bom, por que permite injustiças incompreensíveis, irracionais e que causam tanto mal? Males inúteis, por que os permite?
Em termos lógicos, há uma resposta básica: não dá pra Deus ser ao mesmo as duas coisas. Ou pode tudo e não é absolutamente bom, ou é absolutamente bom e fraco. Como já vimos no texto anterior, a onipotência é racionalmente impossível, não tem cabimento. Mas, por ora, suponhamos que seja. Se assim o fosse, teríamos de lidar com uma possibilidade absurdamente assustadora: a de um Deus onipotente, absolutamente poderoso e que também possui maldade. Ou seja, pode castigar-nos quando bem quiser, e sem muita justificativa. Essa possibilidade gera muito medo. Imaginem só: um Deus tirânico, caprichoso. Um Deus que também é mau. Um cara absolutamente poderoso e que pode arruinar com sua vida e torná-la um pesadelo sem fim. Deus do céu, esse seria um Deus dos infernos para seus desafetos. Sim, pois se não é absolutamente bom, Ele também teria desafetos.
Esse Deus onipotente, e que não é absolutamente bom, submete a todos, por medo. A crença nele é forçada pelo medo de ser aniquilado. O ato de entrega e fé, é um ato de render-se a algo maior que você e que pode lhe destruir. Lembro do personagem de Tv, o médico Gregory House, assim dizendo aos crentes: “Vocês acreditam em Deus porque temem que Ele os esmague como formiguinhas”. É a fé motivada pelo medo. Pelo medo de desobedecer ao todo poderoso e ser castigado.
Porém, se continuarmos pela linha de raciocínio do texto anterior, a onipotência não tem cabimento. Então, esse ser todo poderoso não existe e nada precisamos temer de infalível e eterno. Assim nossa miséria fica menor, penso eu. Melhor saber que Deus, mesmo que existisse, não poderia tudo. Melhor, muito melhor. Quem pode tudo não dá alternativas a quem não pode nada, a não ser calar a boca, obedecer e fim de papo. Me sinto muito melhor com essa ideia de que ele não pode tudo. Isso me dá muito mais liberdade para continuar pensando e seguindo a trilha da lógica, da sensatez. Permite a liberdade e a responsabilidade, esses dois fundamentos tão importantes da maturidade. Se ele não pode tudo, temos liberdade. Do contrário, estamos eternamente amordaçados.
Como a onipotência é uma impossibilidade, somente nos resta a alternativa mais suave e sensata: ele não pode tudo e é absolutamente bom. É fraco, como nós, porém absolutamente bom.
Mas Deus como fraco e absolutamente bom, ainda nos deixa algumas questões. Como uma entidade absolutamente boa pode ter criado o homem, com todas suas imperfeições e injustiças? Comte-Sponville, no “Pequeno tratado das grandes virtudes”, levanta algumas questões interessantes, em belíssimas e instrutivas passagens (1995, p. 292 – 294):
“Por que Deus iria criar o que quer que seja, se ele mesmo é todo o ser e o todo o bem possíveis? Como acrescentar ser ao Ser infinito? Bem ao Bem absoluto? Criar só tem sentido, nessa lógica da potência, desde que para melhorar, pelo menos um pouco, a situação inicial. Mas é o que Deus, mesmo onipotente, não poderia fazer, pois a situação inicial, sendo o próprio Deus, é absolutamente infinita e perfeita! Alguns imaginam Deus, antes da criação, como insatisfeito consigo, como um aluno exigente que escrevesse, à margem de seu próprio dever ou de sua própria divindade: “Pode fazer melhor”… Mas não: Deus não pode fazer melhor do que ele é, nem mesmo igualmente bem (pois teria então de criar a si mesmo, portanto não criar absolutamente nada: é esse, talvez, o sentido da Trindade). Deus, se quiser criar outra coisa que não ele, isto é, criar, só poderá fazer menos bem que si mesmo. Melhor dizendo, ou pior: Deus, já sendo todo o bem possível e não podendo, por conseguinte, aumentá-lo, só pode criar o mal! Daí este nosso mundo. Mas então: por que cargas d’água tê-lo criado?
Esse problema é tradicional. Mas talvez ninguém o tenha percebido melhor, nem resolvido melhor, se é que se possa fazê-lo, do que Simone Weil. O que é este mundo, pergunta ela, senão a ausência de Deus, sua retirada, sua distância (a que chamamos espaço), sua espera (a que chamamos tempo), sua marca (a que chamamos beleza)? Deus só pôde criar o mundo retirando-se dele (senão só haveria Deus); ou, se nele se mantém (de outro modo não haveria absolutamente nada, nem mesmo o mundo), é sob a forma da ausência, do segredo, da retirada, como a pegada deixada na areia, na maré baixa, por um passeante desaparecido, única a atestar, mas por um vazio, sua existência e seu desaparecimento… Temos aí uma espécie de panteísmo em negativo, que é a recusa de qualquer panteísmo verdadeiro ou pleno, de qualquer idolatria do mundo ou do real. “Esse mundo enquanto totalmente vazio de Deus é Deus mesmo”, e é por isso que “Deus está ausente, sempre ausente, como indica de resto a famosa prece: “Pai nosso que estás no céu…” Simone Weil leva a expressão a sério, e tira dela todas as conseqüências: “É o Pai que está no céu. Não em outra parte. Se acreditamos ter um Pai aqui na terra, não é ele, é um falso Deus.” Espiritualidade do deserto, que não encontra ou não prega mais que “a formidável ausência, por toda parte presente”, como dizia Alain, a que responde, em sua aluna, esta fórmula surpreendente: “É preciso estar num deserto. Pois aquele que é preciso amar está ausente.” Mas por que essa ausência? Por que essa criação-desaparecimento? Por que esse “bem feito em pedaços e espalhado através do mal”, estando entendido que bem possível já existia (em Deus) e que o mal só existe por essa dispersão do bem, pela ausência de Deus – pelo mundo? “Só se pode aceitar a existência da infelicidade considerando-a como uma distância”, escreve ainda Simone Weil. Que seja. Mas por que essa distância? E, já que essa distância é o próprio mundo, enquanto ele não é Deus (e ele só pode ser o mundo, evidentemente, desde que não seja Deus), por que o mundo? Por que a criação?
Simone Weil responde: “Deus criou por amor, para o amor. Deus não criou outra coisa que não o próprio amor e os meios do amor.” Mas esse amor não é um mais de ser, de alegria ou de potência. É exatamente o contrário: é uma diminuição, uma fraqueza, uma renúncia. O texto mais claro, mais decisivo, é sem dúvida este:
“A criação é da parte de Deus um ato não de expansão de si, mas de retirada, de renúncia. Deus e todas as criaturas é menos que Deus sozinho. Deus aceitou essa diminuição. Esvaziou de si uma parte do ser. Esvaziou-se já nesse ato de sua divindade. É por isso que João diz que o Cordeiro foi degolado já na constituição do mundo. Deus permitiu que existissem coisas diferentes Dele e valendo infinitamente menos que Ele. Pelo ato criador negou a si mesmo, como Cristo nos prescreveu nos negarmos a nós mesmos. Deus negou-se em nosso favor, para nos dar a possibilidade de nos negar por Ele. Esta resposta, este eco que depende de nós recusar é a única justificativa possível à loucura de amor do ato criador.
As religiões que conceberam essa renúncia, essa distância voluntária, esse apagamento voluntário de Deus, sua ausência aparente e sua presença secreta aqui embaixo, essas religiões são a verdadeira religião, a tradução em diferentes línguas da grande Revelação. As religiões que representam a divindade como comandando em toda parte onde tenha o poder de fazê-lo são falsas. Mesmo que monoteístas, são idólatras.” “
E isso tudo Comte-Sponville escreveu somente para tentar compreender um pouco melhor o amor como ágape (caritas), o amor de Deus, uma das três grandes classificações antigas do amor.
Como minha linha de raciocínio contemplava a ideia de um Deus fraco e absolutamente bom, pretendo encerrar esse texto com ela. Se ele é absolutamente bom, porém fraco, também morre?
Referência:
Comte-Sponville, A. (1995).
Sunday, July 04, 2010
Onipotência divina
O que não é a felicidade
Segundo Comte-Sponville, “a felicidade não é nem a saciedade (a satisfação de todas as nossas propensões), nem a bem-aventurança (uma alegria permanente), nem a beatitude (uma alegria eterna).” Comte-Sponville.
Ou seja, neste sentido, todas estas três concepções acerca do que seja a felicidade são equivocadas. A primeira e a segunda concepção são as mais comuns. São talvez também (vejam a ironia) as que produzem mais infelicidade. Produzem infelicidade, primeiramente, pelo simples fato de serem equivocadas. Assim, geram falsas expectativas, o que, por sua vez, é mais do que suficiente para a ocorrência de alguns desastres e surpresas desagradáveis. Quem não se prepara com perspectivas realistas está sujeito a surpresas desagradáveis.
As concepções de felicidade como a satisfação de todos os nossos desejos ou uma condição de alegria permanente são pouco refletidas, sensatas ou até mesmo infantis. Há o pensamento mágico implícito aí, de que diversas situações complexas podem ser resolvidas com atos simples e instantâneos, os quais dispensam qualquer explicação, esforço ou processo. Em termos psicanalíticos seria a fantasia de retorno ao estado original do recém-nascido que se satisfaz e se ilude acerca de sua própria condição de ser. Tendo suas necessidades satisfeitas, é tomado por sentimentos de onipotência, plenitude e invulnerabilidade (o narcisismo primário). Onde nem mesmo o mundo externo (incluído aí o outro) se configura como perceptível (como outro) e capaz de aniquilá-lo.
Seguindo as pistas dadas por Freud em “O mal-estar na civilização” (1930), podemos dizer que a busca por esse tipo de felicidade é um modo de se apartar da realidade. Acreditando nesta possibilidade absurda, o sujeito nega a realidade que o circunda, e passa a se devotar a uma fantasia infeliz. Trata-se de uma fantasia que abre mão da consciência e instala o sujeito em um terreno sem qualquer sustentação. Sim, constrói castelos no ar. São concepções bastante otimistas acerca do que seja a felicidade. Otimistas e míopes. Otimistas e bem pouco esclarecidas. Aliás, como todo otimismo extremo e equivocado.
Tuesday, June 01, 2010
Superstição: se dizer, acontece?
A pergunta parece meio tola mas, na prática, a maioria das pessoas tem alguma forma de superstição. Há aqueles, por exemplo, que jamais falam a palavra “desgraça”, pois, segundo seus avós, seus pais, os mais antigos (ou seja lá porque), ela apareceria debaixo da mesa. Nossa, quanto disparate. Há também os que não passam debaixo de escadas, fogem do número 13, começam com o pé direito, saem pela mesma porta, e por aí vai uma série quase infinita de superstições.
Neste pequeno texto quero falar daquela que se refere à ideia de que dizer gera o acontecer. Ou seja, se você dizer, a coisa acontece. Há inclusive pessoas que, obsessivas, padecem terrivelmente. Não dizem nunca certas palavras ou repetem inúmeras vezes aquelas que soam como benéficas; ou até mesmo falam e “desfalam” o que sinaliza o mal: se pronunciam algo maldito, logo o repetem, para poder desdizer o que foi dito antes. Enfim, nesses casos não faltarão compulsões (fazer isso ou aquilo, repetidamente) para desfazer o incômodo das obsessões (ideias fixas e incômodas, as quais escravizam e torturam o sujeito).
Uma das situações mais risíveis das quais lembro reporta-se à ocasião em que, com vários amigos em uma mesa de bar, o assunto era como cada um gostaria de morrer. E, obviamente, a maioria respondia que preferia uma morte rápida e repentina: “Quero morrer dormindo...”, eis um exemplo mais do que comum, só para não citar os outros tantos, menos óbvios. Mas eis que um dos que estavam à mesa expele sua pérola: “Quero morrer queimado ou afogado”. Alguns da mesa ficaram boquiabertos, principalmente os mais religiosos: “como ele pode dizer uma coisa dessas, que loucura...”; “bata a mão em sua boca”; “não diga um coisa dessas”; “com essas coisas não se brinca”.
Esse amigo é a pessoa mais destituída de superstição que conheço. E ele sabia muito bem o que estava fazendo. Ficou quieto, olhando para todos nós com seu sorriso debochado. Não disse mais nada, pois voltaria a sempre dizer o que já estava cansado de saber: não é porque você disse que a coisa acontece. E a gente sempre se esquece disso e, vez ou outra, fica com medo. Se dizer alguma coisa ou enunciar algum desejo gerassem sua realização, por si só, bastaria dizer “quero ganhar na loteria” e assim o seria. E olha que as pessoas repetem seus desejos aos milhares e o destino de tudo quase nada tem a ver com isso. Eis o pensamento mágico e infantil, o qual ainda sobrevive em nós, de algum modo. Em alguns mais e em outros menos.
Sunday, May 16, 2010
Felicidade: o papel da autoavaliação
A felicidade é um tema muito interessante e fecundo. Trata-se do bem supremo? Ou seja, possui mais valor e está acima de tudo o mais? Há algo mais importante do que ela? Segundo Pascal: “Todos os homens procuram ser felizes; isso não tem exceção... É esse o motivo de todas as ações de todos os homens, inclusive dos que vão se enforcar...” (citado por Comte-Sponville, 2001, p. 01). Ou seja, na concepção pascalina, para a realidade humana, é o motivo de tudo, só isso. Há, entretanto, diversas possibilidades de abordagem do tema, a começar pelo conceito, pelas várias definições e usos possíveis do termo felicidade.
O que é a felicidade? Começo pela definição que cunhei há alguns anos, pois ela incide diretamente sobre a questão da autoavaliação. É um balanço geral do espírito com saldo positivo. Após toda ponderação e avaliação possível, poderia se considerar feliz aquele que percebesse em si mais alegria do que sofrimento ou tristeza. Esta é um concepção que atrela a felicidade ao julgamento. Se julgo, se avalio que tenho mais momentos de alegria e prazer do que sofrimento e tristeza, logo me julgo feliz. Ou seja, a felicidade depende da avaliação que o próprio sujeito faz de todo o seu estado de espírito.
Em “O mal-estar na civilização” (1930), Freud, logo de início, suspeita do conceito. Percebe aí um grau muito elevado da subjetividade de quem está se avaliando. Se a felicidade é resultado de uma autoavalição, logo depende mais de como as pessoas julgam sua vida, ou de como se referem a ela.
Em termos comportamentais, alguém pode falar que sua vida está boa ou ruim em função do que obtém ou já obteve na vida com este tipo de comportamento. Já pude observar que em contextos religiosos, por exemplo, é muito comum os fiéis dizerem que estão muito felizes. Há, de modo geral, pressão para isso em contextos religiosos. Já em outros contextos dizer que não se está feliz, que não se está bem, pode ser mais valorizado do que o contrário. Exemplo: o sujeito sempre diz que está infeliz, que nada está bem, pois isso resulta em mais atenção e cuidados de seus próximos. No primeiro caso, depois de um tempo, o sujeito pode se dar conta de que era infeliz e não sabia. No segundo caso, de que era feliz e não sabia. Uma coisa é o que se diz e outra é o que se sente.
E o dizer, por sua vez, classifica e ordena o sentir. Dizer que se está bem ou mal pode interferir na percepção do que se sente, do que se vive. Como dizemos se estamos ou não bem? Como entendemos o que estamos sentindo e, no final, avaliamos, damos uma nota? É possível falar de felicidade em sentido objetivo?
Em termos comportamentais a coisa parece ficar mais clara e melhor discriminada. Se a vida do sujeito está muito pobre em reforçadores positivos, se há inibição de repertório comportamental e se predominam fuga e esquiva, eis a infelicidade. Se mais agimos em função do dever do que do querer (do prazer de fazer); se não temos ânimo para nada, se a vida se mostra como um grande sacrifício; se o medo impera e nossa ação é sempre impulsionada para evitar o pior: eis a infelicidade.
O que é um bicho infeliz? É um bicho encolhido num canto, sozinho e com medo, muito medo. Digo também sozinho, para enfatizar o bordão: “é impossível ser feliz sozinho”. Na canção de Tom Jobim o sentido mais comum da expressão refere-se a não permanecer sozinho e viver a felicidade no amor. E as pessoas, de modo geral, só compreendem esta felicidade no amor a dois, no amor de cunho erótico. Quero, porém, ressaltar um outro ponto: o da ética. Penso que é impossível ser feliz sozinho no sentido de que se o egoísmo for onipotente e vencer, isso resulta na própria solidão enlouquecedora do poder absoluto. E é neste ponto que a felicidade tem de fazer alguma concessão ao amor. Neste sentido ela não pode ser considerada como bem supremo, pois o amor vem antes. E que espécie de amor vem antes? Aquele que compartilha, o amor da amizade. E assim, amor e felicidade são conceitos que podem ser casados de algum modo. Mas isto foge um pouco ao tema do presente texto.
Voltemos à questão da felicidade enquanto fenômeno objetivo ou subjetivo. É possível então falar em felicidade como algo objetivo, do qual de fato se vive? Penso que sim. Há, como mencionei, fatores concretos ligados à felicidade e pode ser que o sujeito que se diz feliz, talvez não o seja e vice-versa.
Referências
COMTE-SPONVILLE, A. (2001). A felicidade, desesperadamente. São Paulo: Martins Fontes.
FREUD, S. (1930). O mal-estar na civilização. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas, Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XXI.