Sou agnóstico. Ou seja, simplificando: não acredito em nada, e não me comprometo com qualquer tipo de crença religiosa. Não acredito na existência de Deus nem na sua inexistência.
E hoje, no CAPS (em um grupo de terapia pela fala que coordeno), houve muita oração. Sim, oração: ficou parecendo um templo, uma igreja.
O paciente que assim quisesse se sentava numa cadeira, no centro da sala, e os outros, que também assim quisessem, se aproximavam e tocavam esse paciente com as mãos, sendo que cada um ficava à vontade para proferir suas orações, sua fala, da forma como achasse melhor.
Não entrarei em maiores detalhes sobre como o grupo chegou a esse estágio para não expor nenhum de meus pacientes. Mas posso lhes dizer que hoje os efeitos dessa prática, dessa vivência, em especial, foram muito interessantes.
Um dos pacientes estava muito resistente, tanto ao grupo quanto à minha pessoa. Simplesmente se negava à comunicação verbal, com expressões faciais de profundo desprezo em relação a todos os presentes. Dei a oportunidade para que todos se expressassem sobre como se sentiam em relação a esse tipo de interação.
A sensação que de certo modo imperava era a de que essa pessoa estava com uma raiva muito grande de tudo e de todos nesse mundo. Havia um abismo imenso, e muitíssimo incômodo e constrangedor, entre o grupo e esse paciente, o qual já faz parte desse grupo há mais ou menos dois anos.
Senti que não seríamos capazes de avançar, e de quebrar um pouco o gelo, se continuássemos somente nesse tipo de interação verbal, mais convencional. Tenho percurso, experiência, com outras formas de intervenção e resolvi então propor essa vivência, a qual já tínhamos realizado várias vezes em outros grupos, tais como o grupo de teatro ou o grupo de expressão total, ambos atualmente não mais ativos, mas que foram também coordenados por mim.
No início todos tocavam a paciente, que estava no centro, e oravam em completo silêncio. Observando as expressões de cada um, percebi que um deles estava muito compenetrado. De modo bastante sutil fui até ele e sussurrei que ficasse completamente à vontade, e que inclusive soltasse a voz, se assim o desejasse.
Ele se empolgou e passou a orar em voz alta e com bastante vigor. Indaguei se mais alguém gostaria de fazer sua oração em voz alta, e ninguém se manifestou. Então, feito isso, houve o momento em que cada um, individualmente, abraçou o paciente em questão.
Nessa hora me emocionei e não contive minhas lágrimas. Aliás, não fiz esforço algum para contê-las. Quando todos já tinham lhe dado um abraço, fui na direção desse paciente e também o abracei, pedindo-lhe desculpas por qualquer coisa que eu pudesse ter feito, ou falado, que o tivesse machucado. Nos abraçamos e choramos, juntos, abraçados.
Portanto fiz questão de mostrar ao grupo que eu estava emocionado. Também verbalizei sobre o que estava sentindo naquele momento e por quê.
Foi uma intervenção muito difícil. O paciente estava muito resistente e por vários momentos pensei que o caldo fosse entornar, que esse paciente fosse me hostilizar. Isso causaria danos ao nosso precioso vínculo.
Quando isso ocorre não há como não nos entristecermos. Quebra de vínculo com quem a gente cuida, com quem a gente ajuda, com quem a gente ama, é sempre doloroso. E psicólogo que não cuida, que não interage com seus pacientes com carinho, com muito carinho, com amor, está fazendo tudo errado. Então a quebra de vínculo é sempre dolorosa, porque é uma quebra muito similar a qualquer quebra de vínculo que existe entre duas pessoas que se amam.
Enfim, é isso o que eu queria dizer aqui pra vocês: que hoje de manhã, esse momento, essa ocasião de minha interação com esses pacientes, foi emocionante. E continuo tranquilamente sendo agnóstico.
Texto de 22/09/2016
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