Thursday, June 18, 2020

Aniversários


Por ser uma criança muito sensível, meu pai imaginava que eu não resistiria às durezas da vida, mas eu de vez em quando levantava, dava uma renascida. Aos 13 e 14 anos de idade me vi no abismo de me perceber como um completo estranho nesse mundo. Esperei, quietinho, e contava os dias, durante meses, a fio, como um condenado: "mais um dia de resistência, mais um dia...". Até que de repente parei de contar, porque não estava mais somente resistindo, sobrevivendo.

Agora eu vivia novamente, como a gente sabe, como a gente ouve, de muita gente...

Os anos se passaram e consegui me embrutecer, e ver meu irmão mais velho, que sempre fora tido como durão, começando a abrir o olho para um mundo mais vasto, injusto e barulhento.

Mas ninguém que não seja um psicopata, cego para os outros, e incapaz de amar e cuidar, é tão durão. Ele se sensibilizava, começava a ver o mundo como eu já tinha visto e sentido, e me pedia desculpas pelo passado. Eu, já embrutecido, em paz com ele e com o passado, tentava mostrar-lhe que estava tudo bem, que tinha passado.

E ele, o predileto de meu pai, mas massacrado pelas vias tortas de um mundo embrutecido, depois de mais de 10 anos se dando conta do volume de dores que compõe a vida da maioria dos seres que sofrem, não resistiu ao peso de também se sentir um estranho nisso tudo.

Hoje, no meio dessa pandemia, em que contamos os dias de resistência, acordo novamente com uma impressão, já um pouco envelhecida, de que comemorar um aniversário é muitas vezes um brinde, envergonhado e discreto, no meio da lama de um campo de batalhas, onde muitos já caíram.

Então brindo, ou me curvo, à memória dos que caíram, em respeito e reverência à dor de todos os seres que sofrem, e aos meus 48 anos de idade, completos hoje, 18 de junho de 2020.

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