Muitas pessoas sentem um certo consolo em dizer que tem um transtorno mental. E foram levadas a acreditar que transtornos mentais funcionam exatamente do mesmo modo que outras condições, inclusive deficiências físicas.
Há até mesmo um meme que retrata isso, em quadrinhos, com o título “Se as doenças normais fossem tratadas como a depressão”.
No primeiro quadrinho alguém diz assim, para um outro, acamado:
- Eu sei que você está com infecção alimentar, e tal.. Mas você podia fazer um esforço, né?
No segundo alguém aconselha uma pessoa que teve a mão decepada, e tem sangue jorrando do braço:
- Você só precisa esquecer isso, e aí fica tudo bem!
No terceiro quadrinho um outro diz, para alguém que está debruçado sobre um vaso sanitário, como se tivesse acabado de vomitar:
- Você já tentou, sei lá... não ter gripe?
Outro está inconsciente, em uma UTI, e ouve, de uma pessoa, junto a seu leito:
- Ficar deitado aí não vai te ajudar. Você precisa fazer algo!
Esses quadrinhos são muito bons para fazer com que algumas pessoas talvez se toquem de que sua forma de comunicação, com quem está padecendo de um transtorno mental, pode ser muito inadequada e até ajudar a piorar o quadro.
Porque não faz sentido, nem é eficaz, dizer para as pessoas que elas estão se esforçando pouco, que precisam pensar em outra coisa, esquecer o que estão sentindo, ou qualquer outra coisa que simplesmente não as ajuda. Não basta admoestar ou dar um conselho vago. Porque não se trata simplesmente das pessoas tomarem uma atitude qualquer. Porque não serão as próprias pessoas que irão, do nada, se levantar e resolver seus problemas. Não depende somente delas. A vida não é assim.
É mais importante sabermos isso: que a solução não virá de dentro das pessoas. Virá de estímulos que estão no mundo e não nelas mesmas. E, claro: o que falamos para essas pessoas também faz parte desse universo de estímulos do mundo. O que falamos para as pessoas, e como tentamos ajudá-las, também pode auxiliá-las a encontrar um caminho e possíveis soluções.
Mas não é eficaz colocar mais culpa onde isso já existe em excesso. Ou acreditar que alguém irá, num estalar de dedos, pular da cama e enfrentar o mundo.
Mas também pode não ser boa coisa acreditar que alguém com uma mão decepada está vivendo uma incapacitação equivalente a alguém que está deprimido. Porque, apesar das semelhanças, são fenômenos diferentes. Os transtornos mentais são um problema de saúde que tem, de modo geral, uma relação muito grande com as interações com o mundo e com outras pessoas. Os sintomas psicológicos são muito mais suscetíveis à influência de outras pessoas do que uma mão decepada e uma gripe.
Os sintomas de uma gripe e de uma mão decepada são sintomas do tipo ter. Os sintomas de uma depressão são sintomas também do tipo ser. Ou seja, há um componente ontológico nos transtornos mentais que é muito forte, muito presente.
Esse componente de ser, presente nos transtornos mentais, é algo aberto à influência. Porque um transtorno mental, em boa medida, se configura na interação com o outro. É na interação com o mundo e com a sociedade que alguém, psicologicamente, adoece.
Então, se não faz sentido culpabilizar quem padece de transtornos mentais, também não faz sentido colocar essas pessoas numa posição em que nada do que for feito, em termos de interações humanas, irá ajudá-las. Com isso somente transformamos os transtornos mentais em um problema médico, que terá de ser resolvido somente por meio do modelo biomédico atualmente prevalente. Se for isto, basta prescrever e medicar. Não fará o menor sentido sentar e ouvir a todos os envolvidos, tentando produzir acordos e novas formas de convivência. Não fará o menor sentido as pessoas pensarem, por exemplo, que uma psicoterapia é algo que pode ajudar.