Agressividade, força e coerção são modos de atuação viciantes. Os resultados, as gratificações, costumam aparecer rapidamente. As pessoas ficam com medo, obedecem ou devotam respeito, e até admiração, a quem assim se comporta.
Valentões, em uma terapia, costumam perceber os efeitos colaterais, e geralmente chegam até nós, psicoterapeutas, em virtude de algum sofrimento decorrente do uso constante e excessivo da força, da violência, de sua capacidade de ameaça e de intimidação.
Percebem uma série de danos que causam nas pessoas, e em si mesmos, em virtude de seu "vício". Mas relatam que não conseguem deixar de explodir, de usar da força, de apelar para a violência quando precisam resolver alguma questão ou alcançar algum objetivo. A maioria inclusive nem percebe que assim agindo estão alcançando seus objetivos, e que muito dificilmente mudarão seu comportamento se os resultados continuarem sendo os mesmos, se as pessoas continuarem demonstrando medo, obedecendo, fazendo exatamente o que eles querem.
Certa vez ouvi de um deles, o qual inclusive já se mostrava mais sensibilizado com isso tudo, demonstrando um pouco de culpa:
- Mas você tá querendo dizer o quê, Adriano, que eu escolhi ser assim, que eu, além de todos os prejuízos que tenho tido em minha vida, ainda sou culpado por tudo isso?
Sua culpa já era mais do que suficiente, e não alteraria muito a situação sentir ainda mais culpa do que já estava sentindo. Não basta ficar se sentindo culpado, e simplesmente não ter a menor ideia do que fazer, de como agir para poder começar a resolver seus problemas. Fora o fato de que ninguém tem culpa ou mérito por ser o que é. Culpa ou mérito talvez somente se apliquem a ações ou interações específicas, para as quais precisamos definitivamente apontar os responsáveis diretos. Cada um ser o que é, e ter ou não responsabilidade sobre isso, é outra história.
Mas aí, em terapia, não tem outro jeito: é necessário escuta e acompanhamento constantes, para que essa pessoa vá descobrindo quais são especificamente os contextos que despertam seus episódios de agressividade e violência, assim como também saber quais são as consequências desse tipo de comportamento.
E bastará essa pessoa ter conhecimento sobre os determinantes de seus comportamentos indesejáveis? O autoconhecimento será suficiente? Não, porque muitas pessoas também mudam sem simplesmente terem tido conhecimento sobre os determinantes de seus comportamentos. Autoconhecimento porém costuma ser importante porque facilita o autocontrole, se é que isso existe.
Mas o que estou tentando dizer, e que inclusive se relaciona com essa questão das responsabilidades sobre sermos o que somos, é que as consequências, os resultados, precisam ser alterados, e essas consequências somente serão alteradas por outras pessoas, e não pela própria.
Muitos terapeutas esperam que a própria relação com eles (com o terapeuta) seja um dos mecanismos dessa mudança. Esperam que o paciente passe a seguir algumas novas regras que são construídas durante a terapia, na relação do paciente com o terapeuta. Juntos elaboram algumas estratégias, para as quais são necessários o consentimento e a motivação do paciente para realizá-las. A partir disso espera-se que o paciente comece a cumprir o que foi planejado, e que as gratificações provindas do próprio terapeuta (e de suas novas relações com o mundo) sejam suficientes para que o paciente continue se esforçando.
O paciente sai do consultório e volta para a sua casa, para o seu mundo cotidiano, e começa a tentar se comportar de maneira diferenciada, assim como também procura se observar de modo mais detalhado, atentando-se às consequências desses novos comportamentos.
Feito isso, retorna às sessões posteriores para debater e analisar como essas mudanças estão impactando sua vida. Trata-se de fazer diferente e observar a consequência. E tudo isso será analisado e pensado de modo detalhado nas sessões posteriores. Há muito de tentativa e erro, de testagem, de esforço constante na direção das mudanças, as quais geralmente vão se implementando de modo bastante gradual, não-linear e lento, com períodos inclusive de regressão.
Geralmente se avança alguns passos, e em um próximo momento se retorna alguns outros, ou mesmo esses passos acabam por serem completamente apagados. Ser terapeuta é saber lidar constantemente com a impotência e o fracasso, os quais estão e estarão sempre presentes. Vitórias e progressos sólidos e definitivos existem, mas não me arrisco a dizer que são a regra.
Atuar em um CAPS de grande porte nos proporciona com mais clareza essa dimensão, porque podemos observar o trabalho de nossos colegas e o quanto também ralam com as imensas dificuldades que existem para que as pessoas consigam mudar de vida.
Minha maior gratificação não é a proporção de sucesso nessa empreitada de corpo e alma. Minha maior gratificação é a própria interação com quem está sofrendo, e perceber que essa interação é capaz de diminuir muito de seu sofrimento.
Ser terapeuta é atuar em uma profissão que dedica muito amor na relação com os pacientes. É o prazer de estar junto, de acompanhar, de cuidar, de conhecer histórias fascinantes, de saber que há uma riqueza muito grande na diversidade imensa das possibilidades de relação entre as pessoas, porque geralmente existe um mundo vasto e envolvente na história de cada pessoa para a qual dedicamos nossa escuta e companhia. É participar ativamente da construção, e da reconstrução, da vida e da história dessas pessoas.