Tuesday, November 17, 2015

Recado pra quem é contra a legalização do aborto

Você vai ajudar a criar e educar essa criança que não está sendo desejada? Ah, mas você pode responder que uma das soluções seria facilitar a adoção nesses casos. Coloque-se no lugar do mulher que não está desejando ter um filho, que não se sente em condições de ter essa criança, sendo obrigada a gestar por 9 meses e a parir.

É um processo muito longo e delicado para alguém que não está se sentindo em condições de mergulhar nessa jornada. É um ser da espécie humana que está para chegar e ele precisa ser muito bem recebido. Tudo isso precisa ser preparado com muito amor e dedicação. É por caso você quem vai passar por todas as dificuldades de uma gravidez? Você vai estar lá na hora do parto dessa mulher? Vai ser você quem vai sofrer todas as dores e percalços envolvidos numa gravidez e num parto. e outra: quem disse que essa mulher quer passar por tudo isso e depois entregar seu filho para terceiros que ela nem conhece. Você passaria por tudo isso para depois entregar seu filho para terceiros que você nem conhece?

Talvez seja mais prudente e ético respeitar a autonomia dessa mulher, que é um ser humano em sentido amplo, que sofre e que tem consciência de futuro, e que está muito preocupada com o futuro dessa criança que virá ao mundo, ao invés de ficar brigando pela vida de um punhado de células, as quais não sofrem nem sentem o mundo e estão, desse modo portanto, mais próximas de um espermatozoide do que essa mulher. 

Por que as pessoas desejam ter filhos?

Na minha compreensão as pessoas, de modo geral, desejam ter filhos em função de gratificações culturais, as quais acabam se estendendo e portanto se reproduzindo para a maioria das famílias. Existe estímulo e pressão social para que as pessoas tenham filhos.

Na pré-história, os primeiros grupamentos humanos eram compostos no máximo por algumas dezenas de pessoas. Esses pequenos grupos de pessoas precisavam de prole, precisavam de reprodução farta e constante, para que continuassem existindo. Grupamentos maiores maximizam as chances de sobrevivência de todos.

Imagine por exemplo o caso de um grupo com menos de 100 pessoas, isolados de outros grupamentos humanos, com baixíssima expectativa de vida (uma média de 30 a 35 anos) e com altíssimas taxas de mortalidade infantil. Agora imagine um grupamento humano mais ou menos com as mesmas características, porém em constante conflito com outros grupos, outros clãs.

Há pesquisas que demonstram taxas de homicídio, na pré-história, por volta de 15% da população total. O Brasil está entre os dez países que possuem as maiores taxas de homicídio do mundo. Nossos índices são altos, muito altos: estão por volta de 30 homicídios para cada 100 mil habitantes. Isso, em termos percentuais, equivale a 0,03%. Atualmente o país com as maiores taxas de homicídio do mundo é Honduras, com cerca de 0,1%. E isso é muitíssimo menor do que 15%.

Então imagine um grupo, constituído por menos de 100 pessoas, com taxas de homicídio e de mortalidade infantil absurdamente superiores às atuais. Imagine o sentimento de fragilidade desse grupo. Imagine o quanto é importante a procriação constante. Desse modo, portanto, se torna bastante compreensível a existência de mandamentos sagrados tais como o "crescei-vos e multiplicai-vos”.
Essa ordenamento cultural foi muito importante, durante muito tempo, na história da humanidade, e ainda possui as suas ressonâncias, porque as pessoas desejam ter filhos e a maioria não tem muito claramente para si o porquê de desejarem ter filhos.

Algumas pessoas simplesmente dizem que gostam muito de crianças, da casa cheia de pessoas, que gostam de uma família grande, que foram criadas em uma família grande. Outras temem ficar desamparadas durante a velhice, outras se sentem muito sozinhas, e muitas pessoas simplesmente optam por ter filhos com medo de se arrependerem por não terem tido.

E muitos de nós, por um certo narcisismo, desejamos filhos muito parecidos conosco. Não duvido inclusive que algumas pessoas, se pudessem, optariam por clones, por filhos exatamente iguais a elas, em um movimento inconsciente que realiza uma fantasia de eternidade, totalmente votada à negação da finitude de seu próprio ego.

Muitas pessoas justificam que desejam ter filhos para o que concebem como sendo uma espécie de complementação da felicidade que experimentam em sua vida, ou do desejo de complementarem a união com seus respectivos parceiros.

Contudo, e finalizando, pra mim uma coisa é clara: formamos famílias e desejamos ter filhos para nos tornarmos mais fortes. E essa finalidade, mesmo que inconsciente, não é muito diferente da finalidade que sempre esteve presente na história da humanidade.

E se o nazismo for de fato de esquerda?

Confesso que minha maior motivação para estudar os paralelos entre nazismo e socialismo tem sido as afirmações de que o nazismo era de esquerda. Essas afirmações me intrigaram e me motivaram a ler sobre o assunto, principalmente em referências do universo acadêmico, do universo das pesquisas em história e ciência política.
E nesse minúsculo percurso de leituras e debates pela Internet, posso dizer que minha sensibilidade à utilização de termos como comunista ou fascista, utilizados com a intenção de agredir o interlocutor, se intensificou.

Nesse universo da internet e das redes sociais quem está situado na extrema direita transforma qualquer coisa contrária ao que pensa em xingamentos de "comunista", “esquerdista”, “esquerdalha”, “esquerdopata”, “petralha”. Assim como também é comum, no outro extremo, haver logo o apelo para o rótulo ou o xingamento de “fascista”, “reacionário”, “tucanalha” e outros.

E, na boa meus queridos, isso tudo é muito chato, muito desagradável. É muito desagradável ser associado com genocidas, com o que houve de pior na história do século XX. É muito desagradável receber rótulos pesadíssimos por você ter se desviado um pouco das concepções estritas que algumas pessoas têm. Quem faz isso muito rapidamente, quem, nesse campo das ideologias políticas, demoniza muito rapidamente o outro, está claramente adotando repertórios de ódio.

Sei em qual ponto me situo em termos de espectro político e, apesar de todas as minhas dúvidas, tenho pelo menos uma convicção: não tenho e nem quero ter compromisso algum com a minha posição nesse espectro. E, convenhamos, é um porre lidar com a pressão de partidários um pouco mais exaltados ou extremos, tanto de direita quanto de esquerda. Por quê? Porque transformam tudo o que é dito em uma guerra do bem contra o mal.

E aí, no final das contas, aquela questão que estava me incomodando, sobre o nazismo ser de direita ou de esquerda, já não faz mais tanto sentido assim. O grande problema do nazismo não reside no fato dele ter sido de esquerda ou de direita. O grande problema do nazismo era o extremismo. Era, assim como o Stalinismo, extremo, violento, antidemocrático, com um histórico repleto de atrocidades e atentados aos direitos humanos.

Quem é de extrema direita de certo modo percebeu a merda em que se meteu e está tentando apagar isso da história, projetando sua merda nos outros. E isso que acabo de afirmar não quer dizer que o nazismo era de direita. Somente estou dizendo que alguns extremistas, de certo modo, perceberam que são extremistas. E a melhor forma de lidar com isso, para alguns, passa a ser a tentativa desesperada de esconder que Hitler era também um extremista, por meio da projeção de tudo isso nas pessoas que julgam ser seus inimigos eternos.

O nazismo é de esquerda?

Há alguns anos tem se tornado lugar-comum entre conservadores do mundo inteiro afirmar que o nazismo é de esquerda. Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial o senso comum acadêmico classificava o nazismo como sendo de extrema direita. Entretanto, com o passar dos anos, foram surgindo revisionistas, em sua maioria de fora do meio acadêmico. Tenho tentado compreender exatamente quando e de onde surgiram esses revisionismos. A minha hipótese, por enquanto, é que esse movimento surge entre os conservadores americanos, mas não sei precisar exatamente quando.

No Brasil, nos últimos 10 anos, a tendência a se alinhar com esse movimento revisionista tem se intensificado entre nossos conservadores. Seus maiores porta-vozes são Leandro Narloch (colunista da revista Veja e autor do “Guia politicamente incorreto da história do mundo”) e Olavo de Carvalho.

Tenho pesquisado e lido sobre o tema, principalmente em inglês, e tentando conhecer um pouco mais da história do nazismo e do partido nazista alemão. Alguns conservadores não somente afirmam que o nazismo era de esquerda, mas afirmam também que Hitler era marxista. Por outro lado, ainda no mundo todo, a maior parte dos acadêmicos da área continuam a afirmar que o nazismo é de extrema direita.

Ernest Nolte é um dos maiores historiadores do fascismo no mundo. É conservador, e defende (em sua obra “O Fascismo em sua época”, de 1963) que o fascismo (seja ele o francês, o italiano ou o nazismo) foi o grande anti-movimento: era antiliberal, anticomunista, anticapitalista e antiburguês. Foi a rejeição de tudo o que o mundo moderno tinha para oferecer.

Norberto Bobbio ressalta que existe caracteristicamente o que podemos chamar de direita e esquerda, porém faz ressalvas em relação aos extremistas. Para este autor a distinção entre direita e esquerda é uma coisa, e a distinção entre extremistas e moderados é outra. Afirma que a distinção entre esquerda direita é mais clara entre os moderados, e que fica embolada nos extremos, pois o que há de comum entre os extremistas é o pendor autoritário:

"Numa primeira aproximação vê-se que a díade extremismo-moderantismo tem bem pouco a ver com a natureza das ideias professadas, mas diz respeito à sua radicalização e consequentemente às diversas estratégias empregadas para fazê-las valer na prática. Explique-se assim porque revolucionários (de esquerda) e contra-revolucionários (de direita) podem ter certos autores em comum: não os têm como de direita ou de esquerda, mas como extremistas respectivamente de direita e de esquerda, que exatamente por assim serem se distinguem dos moderados de direita e de esquerda. Se é verdade que o critério que subjaz à distinção entre direita e esquerda é diverso do que subjaz à distinção entre extremistas e moderados, isto comporta que ideologias opostas podem encontrar pontos de convergência e de acordo em suas alas extremas, embora permaneçam distintas com respeito aos programas e aos fins últimos dos quais depende sua colocação em uma ou em outra parte da díade." (Bobbio, p. 52)

Ou seja, extremistas são fanáticos que não estão nem um pouco preocupados em compreender como as coisas são. Pretendem simplesmente fazer valer suas crenças e vão se utilizar de tudo o que puderem para isso. São pragmáticos, mas não são pragmáticos em relação à compreensão da realidade. São pragmáticos para colocar em prática as suas próprias visões de mundo mesmo que elas estejam em completa contradição para com os fatos: "os extremos se tocam".

Em uma visão moderada os extremismos não seriam opostos mas, sob muitos aspectos, seriam na verdade análogos. Bobbio, cita Ernest Nolte, para o qual o bolchevismo e o fascismo estariam ligados por um fio duplo, no qual fascismo seria uma inversão do bolchevismo.

"Também com respeito à moral e à doutrina da virtude, os extremistas das margens opostas se encontram e, ao se encontrarem conseguem achar seus bons motivos para se contraporem aos moderados: as virtudes guerreiras, heróicas, da coragem e da ousadia, contra as virtudes consideradas pejorativamente mercantis da prudência, da tolerância, da razão calculadora, da paciente busca da mediação, necessárias nas relações de mercado e naquele mais amplo mercado de opiniões, de idéias, de interesses em conflito, que constitui a essência da democracia, na qual é indispensável a prática do compromisso. Não é por acaso que tanto os extremistas de esquerda quanto os de direita mantêm sob suspeita a democracia, inclusive do ponto de vista das virtudes que ela alimenta e das quais necessita para sobreviver" (Bobbio, p. 56-57)

"A contraposição do guerreiro ao comerciante comporta inevitavelmente a justificação, se não a exaltação, da violência: a violência resolutiva, purificadora, “parteira da história” para a esquerda revolucionária (Marx); “a única higiene do mundo” para a direita reacionária (Marinetti), e assim por diante monotonamente enumerando" (Bobbio, p. 58)

No livro “Minha Luta”, Hitler bate o tempo todo tanto na direita quanto na esquerda. Aliás, o fascismo tem suas origens na França, em fins do século XIX, em parte como uma reação aos intentos revolucionários da Comuna de Paris. Contudo, segundo Bobbio, um proeminente estudo sobre a origem do fascismo na França, cujo autor é o historiador Zeev Sternhell, não por acaso, tem o seguinte título: "Nem direita nem esquerda".

Portanto, a tese de que o nazismo não é nem de direita, nem de esquerda, de que é, em muitos aspectos, sincrético, uma espécie de terceira via (extrema) aos moderados de direita e esquerda, também não deve ser descartada.

Referência:
BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda. Razões e significados de uma distinção política. São Paulo: UNESP, 1995