Tuesday, March 04, 2008

Viagens traduzem nosso desejo pelo insólito

Estive em Londres no mês de janeiro. Fui visitar meu irmão, que mora por há 3 anos.

Antes, porém, algumas informações necessárias e interessantes: Londres é a maior cidade da Europa (população oficial: 7.512.400 habitantes, em 2006). para se ter uma idéia, a população oficial de Paris é de 2.167.994 habitantes. Londres e Nova York são hoje consideradas as duas cidades mais cosmopolitas, mais globalizadas, do mundo: “London's diverse population draws from a wide range of peoples, cultures, and religions, and over 300 different languages are spoken within the city”. De fato, basta sair às ruas e observar as pessoas interagindo, com atenção: diversas línguas, diversas etnias, aparências. É possível se sentir em contato com todo o mundo, o tempo todo.

Cerca de 60 % dos moradores de Londres é de britânicos brancos. 40% com origens estrangeiras: 180 mil gregos (eu conheci um); 100 mil italianos, cerca de 300 mil de origem polonesa, quase 100 mil de origem espanhola. 12.9% (cerca de 800 mil pessoas) são descendentes de sul-asiáticos, tais como indianos e paquistaneses, principalmente. Também cruzei com afegãos, os quais geralmente em trabalhos informais, tais como vendedores de feiras.

Indianos e paquistaneses possuem uma peculiaridade: falam um inglês engraçado e muito difícil de se entender. Parece que estão brincando, gozando na nossa cara. Aos nossos ouvidos é algo bem caricaturável. Tanto que meu sobrinho de 7 anos adorava me ouvir imitando-os. Meu irmão e minha cunhada, não sei por que razão, vêem em mim alguns traços fisionômicos de indianos. , quando eu imitava seu sotaque, a coisa toda se completava. Além de dizerem que eu conseguia imitá-los bem, de modo engraçado.

É também muito divertido ficar observando as pessoas e imaginando de que lugar do mundo seriam. Sim, porque isso faz uma diferença danada na abordagem. Sentimo-nos, obviamente, mais à vontade com nossos conterrâneos. Abordar anglo-saxão é outra história. Demanda outros códigos, outras normas de conduta. É outro approach, entende? E é interessante também, antes de revelar nossa origem, perguntar de onde parece que somos. Surge cada resposta...

Agora, o dado que mais nos interessa: cerca de 60 mil brasileiros residem em Londres. Nem é muito freqüente se alegrar ao ver brasileiros pelas ruas, porque são muitos, muitos mesmo. É comum, trivial, cruzar com nossos compatriotas. Porém, de vez em quando fica a dúvida no ar: “Será que é brasileiro? Será que não é?”. Meu irmão, sempre muito hilário, foi bem criativo. Dentro do ônibus havia um sujeito que em nada correspondia ao estereótipo do brasileiro: muito branquelo e o modo como se vestia também não facilitava. Porém, um pequeno detalhe: uma minúscula bandeira do Brasil em sua blusa. Não foi muito difícil testar e certificar-se:

Olha uma mulher pelada!”, disse Cako, em alto e bom português brasileiro, apontando para a rua.

Não deu outra, o sujeito, no ônibus, foi o único a girar seu pescoço em busca da louca que estaria nua pelas ruas. Meu irmão não se conteve e caiu na gargalhada:

Te peguei, hein, negão...”

Quebrou o gelo. O branquelo, antes muito sisudo, agora também dava suas risadas.

Outro momento também muito interessante foi na comemoração de ano novo. Eu nunca estivera antes em meio a tamanha multidão. Eram cerca de 700 mil pessoas nas imediações do London Eye, festejando e aguardando pelos fogos de artifício. E, dentre as várias possíveis, somente uma bandeira era agitada e conduzida alegremente em meio àquele povaréu: a do Brasil. Um jovem corria alegremente pra e pra com ela nos braços, alegre, orgulhoso. Se um americano fizesse isso com sua bandeira, talvez fosse vaiado ou visto como um ato arrogante.

Percebi isso tranqüilamente em Londres: pra sentir orgulho, é gostoso de dizer que se é brasileiro. O retorno é geralmente o melhor possível. Gostam muito dos brasileiros. Somos vistos como alegres, calorosos, simpáticos, pela maioria das etnias que habitam. Tive evidências disso em diversas ocasiões. Perguntavam: eu respondia. E os comentários eram geralmente assim: “Brazilian? Oh, very nice people...”. Esta palavrinha, Brazil, é meio ansiolítica. Após ouvi-la, logo se quebrava o gelo, as pessoas se abriam.

E o humor britânico, notoriamente irônico e auto-crítico, também não deixou de dar suas caras. Um inglês, solitário, em um pub, perguntou de onde era nosso grupo. Dissemos que éramos do Brazil. Quebrou o gelo, e logo soltou um very nice. Devolvi a pergunta e ele, desanimado em responder, disse queinfelizmente era inglês”. Desejou-nos boas-vindas e que ficássemos à vontade, quase humildemente pedindo para se sentar e beber conosco. Agradeci a hospitalidade e retornei à minha mesa. Mas faltou, talvez, que eu desse continuidade e perguntasse o porquê dele ter ditoinfelizmente”. Enfim, no mínimo faria bem ao meu ego de brasileiro ouvir as razões. E no máximo ele seria um golpista que beberia às custas de estrangeiros ingênuos e com baixa auto-estima em relação aos valores de seu país.

De volta ao Brasil não faltaram perguntas e mais perguntas: “E , o que você achou?”. E muitos dos que conheciam a Europa diziam: “fabuloso isto, fabuloso aquilo, você não achou...?”. Senti que grande parte das expectativas é que eu chegasse maravilhado, deslumbrado com o velho continente. As exigências eram para que eu emitisse explícitos juízos de valor. Senti como se eu tivesse de dizer que aquilo tudo é magnífico, absurdamente bom, correto, modelo de vida.

Mas, confesso, fiquei muito pouco tempo por . Eu estava fora de meu habitat. Um sentimento muito presente era o de estar à margem daquilo tudo, devido a diversas barreiras: intimidade com a língua, os gestos sutis, os costumes, e com toda aquela engrenagem na qual eu era somente um desprezível corpo estranho. Desconhecido, menos capaz (sentimento típico de novato inseguro), invisível, engasgado, gaguejante, tropeçante. Como estive a maior parte do tempo sozinho, era fácil me sentir assim. Mas me senti também, em diversos momentos, muito em paz, em minha insignificância e silêncio, ao pegar sozinho um trem de metrô, um ônibus, um trem, ou ao andar de bicicleta pelos meandros inóspitos do frio que habitou minha alma naqueles dias.

E este foi meu melhor e mais bem acertado passeio: pegar a bicicleta de meu irmão e rodar livremente pela cidade. Foi realizador. Fui, por minhas próprias pernas até o Rio Tamisa. Parei bem embaixo do Big Ben. Andei pelas ruas do centro de poder deles, as ruas de Westminster, onde se encontram o Parlamento Britânico e o Palácio de Westminster, aquele conjunto arquitetônico belíssimo que culmina no famoso Big Ben.

De bicicleta, continuei me sentindo à margem, que agora era como seu eu fosse um marginal de dentro. Era ainda um corpo estranho, mas não aquele que está sendo rejeitado, expulso. Era aquele que invadia, como uma baratinha imunda em suas peripécias noturnas pela cozinha vazia e somente sua: a ilusão de algum poder, tão necessária à vida. De bicicleta me senti mais dono de alguma coisa: de mim mesmo, pelo menos. E, mais turista. Era muito diferente de pegar o metrô e não ver a cidade que acontece na superfície.

Mas, aqui no Brasil, as pessoas queriam respostas: “Como foi ? Gostou?”. E quem tinha ido queria dividir suas impressões comigo. Para finalizar, seu eu puder resumir, transcrevo o que disse para uma prima minha, por email: sim, sim, “fiquei admirado com o nível de urbanização dos caras: é gente se locomovendo por baixo, por cima da terra, no ar, museus de tudo o que é coisa, coisas e pessoas de todos os cantos do mundo, sorry o tempo todo (como inglês gosta de dizer sorry), gestos particulares, sotaques, frio com chuva, comidas de todos os cantos do mundo, dignidade pra maioria, senão pra todos, inveja deles, ressentimento de quem nos explorou durante toda a história. E admiração, alegria de ver o quanto o brasileiro é querido mundo afora. E por foi...”

Admirei, por admirar o que é diferente e também, muitas vezes, grandioso. A experiência de estranhamento, não necessariamente ruim, estava sempre presente. Como sugerem, por exemplo, alguns filósofos: o estranhamento proporciona o espanto. E este é marcado pela sensação de estar vendo tudo pela primeira vez, o que seria, em tese, o começo ideal em direção à jornada pela verdade. A qual não encontrei ainda...

2 comments:

Anonymous said...

Fenomenal!
Finalmente li descrições claras sobre algumas sensações que temos ao visitar outros países!
Ótimo texto
Abraço

20th Century Girl said...
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