Com isso não estou querendo dizer que devemos implantar um regime autoritário em nosso país, de modo algum. Não sinto isso como minimamente factível e nem desejável. Não é disso que estou falando e quem quiser confundir o fará de modo intencional e até maldoso. Só estou querendo dizer que durante toda a minha vida, até alguns meses atrás, eu ainda acreditava muito no modelo liberal de democracia.
Antes eu era bem mais otimista do que sou atualmente. Antes eu sentia que havia a real possibilidade de mudanças importantes por meio desse modelo. E de uns meses para cá tenho me tornado mais pessimista em relação a isso, porque o problema é mais embaixo. No papel somos uma democracia, existe liberdade de expressão, de participação política. A Constituição Federal é a constituição cidadã.
Mas é uma constituição que, com seus quase 35 anos de existência, ainda não fez valer muita coisa importante. Muito do que está previsto em nossa Constituição ainda está longe de ser cumprido. E cito somente um dos pontos que para mim é mais emblemático: a questão do uso social da terra.
Se nós de fato cumpríssemos o que está na Constituição, eu tenho a impressão de que já era para ter ocorrido a reforma agrária. E estamos muito longe disso. A concentração de terras nas mãos de poucos ainda é obscena e os níveis de desigualdade social em nosso país ainda são indecentes.
Outra coisa que também me preocupa bastante, senão a que mais me preocupa, é a questão ambiental, no mundo todo. A crise climática já está aí. É um trem colossal, em alta velocidade, que precisa imediatamente parar. Essa não será uma tarefa nada fácil. É o maior desafio para a humanidade em séculos, quiçá milênios. E eu não tenho a menor esperança que com esse modelo de democracia conseguiremos alguma coisa, porque em tese é um modelo muito bonito, mas na prática tem se mostrado um modelo refém de grandes interesses econômicos e lobbies.
Quem manda no mundo capitalista é o poder econômico. Quem manda aqui no Brasil, e até naquilo que muitos acreditam que seja a maior democracia do mundo (os Estados Unidos), é o poder econômico. E lá atualmente, mais do que nunca, eles estão muito mais próximos de um sistema totalitário de direita do que nós. Mas assim que eles caírem, caímos junto. E eles estão nitidamente caindo.
O poder absurdo que os bilionários e as big techs alcançaram é algo que não me deixa nada otimista. Esses caras agora mandam e desmandam no mundo ocidental e em todas as democracias liberais. Quem manda e desmanda hoje em qualquer sociedade capitalista é esse povo.
E aí eu fico aqui torcendo para haver alguma alternativa. E quando se fala em alternativa, me perdoem, mas só consigo pensar no quê? Sim, na China.
Pensem por favor comigo na crise climática. Vocês acham que conseguiremos resolver a crise climática com bilionários que só pensam em perfurar poços de petróleo? Vocês pensam que é possível resolver a crise climática sendo refém de lobbies do poder econômico?
Há quem diga que talvez seja impossível viver em um mundo sem lobbies. Mas fico pensando que talvez não seja impossível não, e fico pensando que uma sociedade como a chinesa não é refém de lobbies. Se eles existem lá, são muito fracos.
Perto de uma sociedade como a nossa, a sociedade chinesa é tecnocrática. E há quem veja um perigo enorme na tecnocracia. Mas querem saber? O que o mundo mais precisa hoje é disso, é de tecnocracia. E sinto que o pesadelo que vivemos durante a pandemia talvez tivesse sido o suficiente para nos darmos conta disso. Mas parece que a maioria das pessoas não se deu conta disso. Faltou-nos um pingo de tecnocracia, e com isso o saldo foi o que vimos: cerca de 400 mil pessoas mortas por uma liderança ignorante, que não ouvia o a ciência, os técnicos da área. E eu falo em 400 mil mortes porque estou falando do saldo a mais. Porque se o Brasil tivesse se enquadrado nas médias mundiais de óbitos, teríamos tido somente umas 300 mil mortes e não todo aquele horror bizarro que vivenciamos.
A crise ambiental atual demanda participação de todos os setores de modo equilibrado e não como ocorre em um país como nosso, no qual o setor privado deturpa tudo. Sim, deturpa tudo. Não tem cabimento um Congresso ser composto pelas pessoas que estão lá, que não representam os interesses da maior parte da população. Não tem cabimento o poder que esse povo tem para fazer pobre defender e votar em rico. Pobre de direita é uma excrescência que só é explicada pelo modelo no qual vivemos, onde praticamente todo mundo tem um preço.
No papel somos uma democracia, uma democracia liberal. Mas na prática é o governo de quem tem mais poder econômico. É uma plutocracia ou uma oligarquia. Dêem o nome que acharem melhor. Não é o governo da maioria.
Não adianta falar em liberdade de escolha se as pessoas não têm o mínimo de condições para produzirem escolhas mais conscientes. Quem não tem as condições mínimas de subsistência está longe de ter qualquer tipo de liberdade de escolha para qualquer coisa. Quem não tem uma formação política, acadêmica e cidadã mínima, não tem liberdade de escolha.
E aí vai sempre aparecer alguém para dizer que o caminho é a educação e esse também é outro equívoco. O que manda num bom sistema educacional não é a educação em si. A educação não brota da educação. A história mostra que os maiores avanços em termos educacionais se deram na sociedades que conseguiram se desenvolver em termos industriais, que têm políticas industriais.
O Brasil está há décadas a derivar no oceano do subdesenvolvimento principalmente por falta de políticas de desenvolvimento industrial. Praticamente não existe desenvolvimento sem desenvolvimento industrial, e será muito difícil também desenvolver um bom sistema educacional sem isso.
E alguém pode ainda aqui dizer: mas em Cuba? Cuba tem altíssimos níveis de alfabetização e um excelente sistema educacional. Mas Cuba continua sendo também muito pobre e não se desenvolve. Claro, há obviamente o embargo econômico imposto pelos Estados Unidos, e esse é um fator crucial. Mas Cuba também sofre com um modelo pouco versátil de socialismo, ainda muito centralizado e baseado quase somente no estado.
Eu por enquanto creio que os chineses tenham encontrado o melhor equilíbrio entre os setores econômicos da sociedade. E também creio que eles não estão sozinhos nessa. Um exemplo claro de um país que tem seguido modelo semelhante me parece que é o Vietnã.
Há um equilíbrio entre os setores privado, misto e público na China. Cada um deles detém cerca de um terço das riquezas.
Sim, o Estado na China é muito forte. E é bem mentirosa essa conversa de que o que mais atrasa uma sociedade é o Estado.
Somente o estado investe onde há mais risco e as maiores descobertas mundiais de nosso tempo e das últimas décadas foram todas fruto de investimento estatal. Acho muito tolo quem ainda acredita naquele papo furado de empreendedores de fundo de garagem. A China chegou onde chegou porque é um socialismo de mercado, ou um capitalismo de estado. Dêem o nome que quiserem. Eu obviamente prefiro chamar de socialismo de mercado porque acredito que estamos vivendo um contexto de esgotamento do modelo capitalista. Esgotou, já era. Se continuarmos nessa, não conseguiremos sair desse lamaçal da crise ambiental, que está somente começando. Por quê? Porque quem manda aqui é lobby, meu irmão. E os grandes interesses econômicos estão pouco se lixando para o bem-estar comum. E é por isso que a ganância tem que ser o tempo todo regulada pela mão de um Estado forte. Ou é isso ou é a barbárie.
É socialismo ou a barbárie!
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