Mais ou menos um terço das riquezas da China está nas mãos do Estado. Outro terço é misto. E outro terço é privado. Parecem ter encontrado, por ora, o melhor equilíbrio desses três setores. Embora saibamos que no final das contas o setor mais poderoso é o estatal, comandado pelo Partido Comunista Chinês.
E alguém poderia argumentar: "eis o desequilíbrio, pois agora quem oprime é o estado. Porque a concentração de poder sempre gera uma série de malefícios".
Porém se observarmos novamente por essa divisão desses três terços esse poder não é assim tão concentrado. O estado tem um poder decisório, organizador, de administração, criação e supervisão de políticas públicas, as quais também estão voltadas para políticas de desenvolvimento econômico e industrial. Investe em determinados setores, retira recursos de outros, que não estão produzindo os devidos resultados, e está o tempo todo voltado para a construção do desenvolvimento nacional.
O que existe, em primeiro lugar, não são os interesses particulares. A prioridade são os interesses coletivos. A coletividade está acima da individualidade. E alguns princípios são praticamente sagrados, tais como a luta por mais igualdade e pelo fim da pobreza e da miséria. E nesse sentido há um compromisso muito grande para fazer valer alguns princípios fundamentais da "Declaração universal dos direitos humanos", que a maior parte do mundo capitalista ainda está longe de conseguir fazer valer ou de conseguir fazer frente ao que a China já conseguiu.
Nos últimos 50 anos retiraram mais de 800 milhões de pessoas da miséria.
E outra coisa que é de certo modo equivocada é a afirmação de que eles não têm uma democracia representativa. Eles realmente não tem uma democracia representativa plena, no sentido de que não votam, por exemplo, para Presidente da República. Mas há muitas eleições diretas na China, que começam nos bairros e cidades e vão até os congressos populares e condados. Há muita política e muito debate político na China, em diversos níveis. Até a inteligência artificial do Google sabe disso:
"A China possui um sistema eleitoral com diferentes níveis de representação. As eleições diretas ocorrem em nível local, para os Congressos Populares nos bairros, cidades e condados. Nestas eleições, os cidadãos votam diretamente em seus representantes.
Em níveis mais altos, como nas províncias e no Congresso Nacional do Povo (o parlamento nacional), as eleições são indiretas. Os representantes para esses órgãos são eleitos pelos Congressos Populares de níveis inferiores."
E alguém pode até alegar que o partido comunista chinês não irá permitir, mesmo em níveis locais, a diversidade, que o partido comunista não permitirá que algumas pessoas se candidatem. Isso é um fato. O partido comunista chinês não permitirá que algumas candidaturas ilegais se efetivem.
Aqui no Brasil não permitimos que exista um partido nazista. Lá também não é permitido que existam partidos que neguem os princípios fundamentais do socialismo. Qualquer um que queira se projetar na vida política chinesa divulgando que o estado é um opressor e que o estado não deveria existir, estará cometendo uma ilegalidade. E pelo que já pude compreender de como lidam com essas questões por lá, é que os chineses costumam se expressar livremente, com bastante tranquilidade. O que não conseguem é se organizar em alguns partidos políticos que sejam contrários a alguns princípios que, para a perspectiva socialista chinesa, são irrevogáveis.
Então não dá para montar um partido político na China que defenda o lucro e o monopólio privado sem qualquer regulação do Estado. O estado chinês está todo constituído para não permitir o monopólio privado, para não permitir que grupos privados controlem o poder. E o partido comunista não é composto por um grupinho pequeno de pessoas que concentram o poder e controlam o país.
O partido comunista chinês tem 96 milhões de membros. Isso corresponde a quase 7% da população chinesa, o que seria equivalente a ter uma organização ou um partido comunista brasileiro que tivesse cerca de 15 milhões de membros. É muita gente.
O presidente chinês não faz o que quer. Não é exatamente o que costuma ser compreendido como um ditador. O que ele pretende fazer ele não tira da cartola, como qualquer ditador. Existem princípios e leis muito bem estabelecidas, que ele deve seguir.
Todos os 96 milhões de membros do partido comunista têm poder de voto, em um sistema com numerosas hierarquias e de altíssima complexidade. É meio ridículo tentar comparar o sistema político chinês com o de alguma republiqueta de bananas. As evidências têm nos mostrado que são universos completamente diferentes. Se em uma república de bananas impera a anomia, com o poder concentrado em uma família, em algo muito mais parecido com o que observamos em monarquias absolutistas e teocêntricas, como uma Arábia Saudita da vida, por exemplo; na China o processo é completamente diferente. É outro universo. É outra dimensão.
A China tem mais de 4 mil anos de civilização em tempo contínuo e mais de 2 mil anos de burocracia. É uma das culturas e uma das burocracias mais antigas de toda a história e tudo isso em tempo contínuo.
Derrubaram a monarquia em 1912 e, 37 anos depois, em 1949, superaram o capitalismo. Nos 23 anos seguintes sofreram com o embargo econômico dos Estados Unidos. E mesmo com essa cruel retaliação tiveram taxas médias de crescimento econômico anual de 6,5% na década de 1950 e de 4% na década de 1960, mesmo com todos os erros, já compreendidos e assumidos, que ocorreram durante o período da revolução cultural entre 1966 e 1976.
Com o objetivo de provocar um distanciamento entre China e União Soviética, em 1972 os Estados Unidos puseram fim ao embargo econômico, permitindo assim que a China saísse do isolamento e voltasse a comercializar com o restante do mundo. E é aquela história. Se o socialismo tem tudo para dar errado, para que fazer embargo econômico? Se o socialismo tende a ser um desastre, porque não deixam os países socialistas em paz? Por que os Estados Unidos sempre tentam isolar esses países do restante do mundo, sufocando-os economicamente?
Esse retorno da China ao comércio mundial se consolidou com a política de "Reforma e abertura", de Deng Xiaoping, em 1978.
Desde então as taxas anuais de crescimento são de 7.9% durante a década de 1970, 9,5% durante a década de 1980, 10,6% durante a década de 1990, mais de 10% ao ano durante os anos 2000 e de 7,7% entre 2010 e 2019.
Então, a partir de 1978, com a permissão dos Estados Unidos para voltar a fazer comércio com o mundo, a China começou a construir um socialismo singular, que também permitia um significativo empoderamento do setor privado, do mercado, da lei da oferta e da procura. Porque o mercado também possui suas virtudes: de produção acelerada de riquezas, autorregulação, concorrência e vários outros princípios já muito bem conhecidos desde a ascensão do capitalismo.
Porque o socialismo não é a negação do capitalismo. É sua assimilação e superação. E está passando da hora do mundo todo fazer o mesmo: também ser capaz de superar o capitalismo e permitir que adentremos um outro estágio de humanidade e civilização, muito mais preparado para os desafios que estão pela frente. É socialismo ou a barbárie!