Friday, December 13, 2024

Incivilidades do cotidiano

Correria. Parecia que todos no supermercado estavam com um pouco de pressa e angustiados com as filas.

Minha fila era pequena. Na boca do caixa estava um casal, com um carrinho cheio. Na sequência havia um sujeito com o carrinho lotado com caixas de cerveja e depois vinha a minha vez.

De repente esse sujeito à minha frente abandonou seu carrinho e saiu para dentro do supermercado sabe se lá para fazer o quê. Não pediu para que eu olhasse suas compras, que guardasse seu lugar ou qualquer coisa do tipo. Saiu sem falar nada.

O casal que estava à sua frente passou todas as compras, pagou e foi-se embora. 

- Cadê o rapaz que estava aqui? - perguntou a operadora de caixa.

- Não voltou ainda - respondi.

Isso sempre configurou para mim como uma situação clara e tranquila quanto ao que deve ser feito. Se alguém se ausenta, sem dar qualquer tipo de aviso, notícia ou informação, não há problema nenhum em perder a vez para o próximo. Porque não faz o menor sentido as pessoas ficarem indefinidamente esperando alguém que desapareceu. Se em uma situação dessas passassem na minha frente, eu compreenderia perfeitamente, sem qualquer tipo de estresse.

- Como ele desapareceu, acho que vou então começar a passar minhas compras, ok? 

- Tudo bem! - respondeu ela.

Registramos meu CPF. Quando eu já havia colocado uns 10 ou 15 produtos na mesa do caixa, para que ela começasse a passá-los, o sujeito retornou.

- Uai, mermão? Você passou na minha frente?

- Você sumiu. A gente não viu outra alternativa...

- Não, não! Pode parar!

- Mas ela já registrou meu CPF...

- Não quero saber! Cancela! - de modo bem ríspido e já em posição de galo de briga. 

- Você é muito folgado! - completou ele.

- Fique calmos. Não vale a pena brigarem por causa disso... - alertou, visivelmente tensa, a operadora de caixa.

- Não vale a pena a confusão por tão pouca coisa... - repeti para mim mesmo, umas três vezes, em voz baixa, que ele mesmo provavelmente ouviu.

E assim, me sentindo hostilizado e um pouco humilhado, retirei calmamente, e sem qualquer tipo de pressa, as minhas compras do caixa e liberei muito mal liberada a passagem para que ele colocasse ali seu carrinho e suas compras. Agi realmente com má vontade, tentando deixar pelo menos um pouquinho claro para ele que as coisas não seriam feitas absolutamente todas do jeito que ele queria. 

Foi uma situação muito tensa e desagradável. Senti que por pouco aquele sujeito não partiu para a violência, me agredindo fisicamente. Durante boa parte do restante do dia, e de dias posteriores, refleti sobre o ocorrido e como teria sido a melhor maneira de ter lidado com aquilo sem tanto estresse e chateação.

Se eu fosse muito bom em artes marciais, e ágil, eu teria conseguido intimidá-lo? Teria sido capaz de me defender? Não era um sujeito muito mais jovem do que eu em termos de idade. Era próximo ou talvez um pouco mais jovem do que eu. Mas em termos de tamanho parecia um pouco maior e mais pesado. Porque é geralmente muito fácil ser mais pesado do que eu. Nem tive tempo de avaliar isso com mais detalhes. 

Foi tão seguro e agressivo em sua abordagem, que era muito fácil para alguém mais ou menos do tamanho dele, ou talvez um pouco menor, e mais ou menos da mesma idade, se intimidar.

Saí do supermercado com vontade de iniciar imediatamente a prática de alguma arte marcial e até devaneei um pouco com a bizarra possibilidade de ter porte de arma e andar armado para todos os lados, para poder ser minimamente respeitado em uma situação como essa. 

- Meu amigo, fique tranquilo aí. Não se aproxime! Fique longe de mim. Vou passar as minhas compras aqui, na paz. Você depois passa as suas, sem confusão. E não se aproxime de mim! Para a tua própria proteção pessoal, ok?

Eu diria isso a ele, colocando a mão por debaixo de minha camiseta, tentando sinalizar de modo bem claro que estaria armado e que não era bom se meter comigo.

Porém sabemos muito bem como muitas vezes esse tipo de situação se desenrola. Há sujeitos que nessa hora se aproximam rapidamente, e estando uma das partes com um arma, ela muitas vezes é sacada e alguém acaba gravemente ferido ou morto.

Fiz conjecturas também sobre outros cenários possíveis, em algum cenário em que eu soubesse como me defender, com algum tipo de arte marcial, e no final das contas acabava percebendo que esse tipo de interação seria sempre algo muito arriscado. Não basta ser muito bom em artes marciais mistas. A outra pessoa pode estar armada. Ou pode chegar bem próxima e muito rapidamente desferir o primeiro golpe de modo brutal.

Mas continuava pensando nesses possíveis cenários, nos quais eu poderia fazer com que a outra pessoa se intimidasse, tal como nesse em que eu estivesse armado ou simulando que estivesse armado, e assim fazer com que o outro se acovardasse. 

Eu não deixaria que a pessoa se aproximasse e ainda deixaria claro que era para o bem dela. Isso talvez fizesse com que eu encerrasse aquele tipo de situação de forma triunfante. Iria para casa sem me sentir humilhado e também com a provavelmente ilusória sensação de que não havia humilhado ninguém, com a sensação de triunfo, de dever cumprido para com o apaziguamento em uma situação na qual controlei tudo o que ocorria, e também me mostrando superior e mais calmo do que qualquer pessoa abusiva que pudesse vir a me abordar nessa vida.

Sairia do supermercado respirando profunda e tranquilamente, com a provavelmente ilusória sensação de justiça cumprida, de não ter maltratado ninguém e de não ter engolido sapo algum. 

"Não sejam injustos e covardes. Não tentem intimidar as pessoas somente porque são aparentemente maiores ou mais fortes do que elas."

Seria minha mensagem subliminar, minha lição de moral. Isso seria dito em cada pequeno e breve ato ponderado, tranquilo e sensato naquela minha interação firme, pacífica e justa com o sujeito do carro lotado de caixas de cerveja num sábado à tarde.

Dois dias depois, indo para o trabalho de bicicleta, atravessando a faixa de pedestres, encontrei a solução para esse problema! Tudo isso na verdade não passava de divagação narcisista e insensata. Da próxima vez, se isso ocorrer novamente, chamarei algum funcionário e, juntamente com esse funcionário, superior à operadora de caixa, tomaremos juntos a decisão de passar na frente do carrinho da pessoa abusiva. Não mais tomarei esse tipo de decisão sozinho. Porque quando chegar o playboy covarde, ele terá de argumentar com mais pessoas e não só comigo, na base da intimidação física.

Agora estou bem mais preparado e acho bem pouco provável que volte a me chatear com tal situação. Foi a luz que tive exatamente no momento em que atravessava com minha bicicleta pela faixa de pedestres às 7 horas da manhã de uma segunda-feira.

- Passa logo, poha! - gritou para mim um playboy musculoso de dentro de sua SUV.

Não me irritei nem me chateei. Não senti nada. Também nos acostumamos em sermos maltratados. E não é só isso. Minha tranquilidade estava alicerçada no sentimento de que eu tinha encontrado uma solução para situações como essa. Esse sentimento superava qualquer faísca que pudesse despertar em mim rancor ou revolta com brutamontes covardes do cotidiano.

Porém mesmo assim tive o prazer em retrucar, por pura diversão, em loucura cotidiana calculada:

- Ah, seu bunda mole... Vem aqui me fazer ter pressa pra você! Vem!

Ficção. O restante fica para o campo da ficção, para meu talvez futuro e primeiro romance, de algum dia, de não sei quando, que por enquanto se chama "Atrás da montanha". Um dia, quem sabe, eu termino esse livro, que comecei a escrever em 2012, e que talvez nunca termine...

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