Observo minha filha fazer seus deveres de casa e me lembro de como era isso em minha infância. Estudávamos à tarde. Entrávamos às 13 e saíamos às 17 horas. A escola, pública, ficava a 300 metros de minha casa. Chamava-se Escola Estadual de Primeiro Grau João Augusto de Mello e nós, estudantes, a apelidamos de Jamel (marca de cachaça). Morávamos no Jardel (Jardim Independência, em Ribeirão Preto) e estudávamos no Jamel.
Às 17:15 já estávamos em casa e, sem enrolação, sentávamos para fazer a tarefa (o dever de casa). A mesa de jantar era de frente para a televisão, porque a sala e a copa eram somente um único ambiente. Fazíamos o dever com a TV ligada, e assim o era até o fim da novela das 8, que começava depois do Jornal Nacional, mais precisamente às 8:30.
Mas a programação, por volta das 17 horas, começava na Tv Cultura, com Daniel Azulay, com seus desenhos e histórias, ou na Record, com o masoquista do Pinóquio japonês. Depois, junto com a tarefa de casa, engatávamos as novelas das 6, das 7, ou algum seriado na Record, como Chips ou congêneres, com pausa para jantar, mas sem jamais tirar o olho da televisão. Um olho na TV e outro na tarefa. Um olho no jantar e outro na TV.
Desse modo os deveres de casa nunca eram um fardo. Sempre em grupo, sempre junto com meus irmãos e minha mãe por perto, e sempre com a televisão a nos embalar. Era leve e divertido.
O Jornal Nacional por vezes funcionava como uma pausa, de 30 minutos, na qual íamos para o quarto, fechávamos a porta, deitávamos de bruços na cama e estudávamos, de véspera, em voz alta, para alguma prova.
E durante um ano e meio ou mais, por volta dos 9 anos de idade, eu e Edu (meu irmão mais velho) acordávamos às 6:40, rapidamente nos vestíamos, tomávamos café (pão com margarina e leite com café) e íamos os dois, de moto, com meu pai, para o trabalho. Sim, os três na mesma Honda Turuna 125 cilindradas, sem capacete, num percurso de 4 ou 5 km até o trabalho de meu pai. Eu e Edu exercíamos a função de office-boys.
Entrávamos às 7:15 no trampo. Saímos às 11:15, chegávamos em casa às 11:30, almoçávamos e íamos para a escola, para recomeçar todo o ciclo.
Meu pai, antes de voltar ao trabalho, depois do almoço, ainda tirava uma soneca de uns 20 minutos.
Mas a rotina dele era mais exigente. Chegava do trabalho às 18:15, tomava banho, jantava, e voltava para mais um turno, que começava às 19:30 e ia até às 22 horas.
Quando ele chegava em casa, às 22:15, nós já estávamos na cama. Só despertávamos rapidamente com seus barulhos, com seu jeito um pouco rápido demais de fazer tudo, como se sempre estivesse a correr contra o relógio. Ele virava as chaves com velocidade, com pressa. No meio da noite isso fazia um bom ruído, que nos acordava, mas nada que fosse incômodo.
Ele ia para a cozinha e, durante um certo período, costumava tomar uma Coca-Cola. Depois de um tempo, passou a tomar um copo de sal de frutas, talvez devido à acidez dos anos de Coca.
Depois da Coca ou do sal de frutas, tampava e fechava tudo com força, desligava as luzes e se deitava. No meio da madrugada às vezes acordava com algum barulho nos arredores da casa. Pegava sua garrucha, a municiava com dois cartuchos, e saia para o quintal, somente de cuecas, para encarar possíveis bandidos. Só víamos sua silhueta um pouco barriguda a sumir na escuridão, no breu de um mundo que podia estar forrado de bandidos.
Poucas noites o tivemos junto de nós, de segunda à sexta-feira. E quando isso ocorria o sentimento era de festa, de uma alegria imensa.
Mas mesmo assim seguíamos suficientemente felizes, com nossa rotina de trabalho, escola e noites de tarefas de casa com televisão e os jantares deliciosos que minha mãe preparava. Pizzas de liquidificador, arroz, feijão, carne, batatas fritas, almôndegas com molho de tomate e sempre uma saladinha bem temperada, com uma comidinha sempre muito equilibradamente temperada, com aqueles temperos feitos no liquidificador, com pimentão, alho, cebola e óleo de soja. Tenho lembranças maravilhosas de uma salada de almeirão que eu mesmo depois, sozinho, nunca consegui reproduzir.
E nas épocas em que não trabalhei nos períodos matutinos, jogava futebol direto, até a hora do almoço.
Não tenho do que me queixar. Sinto que foi uma infância saudável.
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