Eu voltava do trabalho de bicicleta, como sempre, em um dia de sol escaldante e umidade bem baixa.
Percebi que a mais de 100 metros de mim, à minha frente, havia um ciclista, pedalando na mesma direção que eu. Mantive meu ritmo normal, e 300 metros depois eu já estava ultrapassando-o, serenamente e sem pressa alguma.
Ele andava sem capacete e tinha uma bicicleta esportiva, veloz. Estava vestido como se estivesse indo malhar em uma academia, e tinha um boné com a propaganda política de um candidato de extrema-direita, neofascista.
Assim que foi ultrapassado, olhei pelo retrovisor e percebi que seu comportamento se alterou completamente. Ele passou a pedalar com muito mais intensidade.
Quem anda de bicicleta sabe que isso é muito comum. Muitos ciclistas, em seus trajetos para o trabalho ou para qualquer outro lugar, quando ultrapassados se sentem talvez meio desonrados ou desafiados, e assim se instaura uma competição tácita e feroz pelas ciclovias da cidade.
Ele estava então frenético, e pelo visto se sentiu muito contrariado de ser ultrapassado por alguém vestido com calça jeans, camisa, em uma bicicleta com aparência bem menos esportiva e com dois grandes alforges no bagageiro.
Ele realmente parecia ter uma boa capacidade atlética e sua bicicleta tinha um desempenho muito bom em declive. Estávamos em um declive ameno, de uns 4 km.
Ele manteve um ritmo muito forte e, por fim, após uns 800 metros, me ultrapassou.
Eu me esforcei bastante e estava talvez até mesmo desrespeitando alguns limites de minha própria capacidade. Abaixei a cabeça, me concentrei e passei a inspirar com mais intensidade. Eu precisava de mais oxigênio e de mais concentração. Eu somente conseguia olhar para seu boné, ver escrito o nome do fascista e pensava:
- Não passarão!
Mantive o ritmo e o ultrapassei novamente. Ele, porém, não arredou. Continuava na minha cola.
A ciclovia chegou num ponto em que desembocava num posto de gasolina. Era necessário passar por dentro do posto, que tinha um terreno um pouco mais acidentado, composto por lajotas.
Olhei para sua bicicleta, com amortecedores, uma mountain bike, e senti que ali ele iria disparar na frente.
Porém, para minha surpresa, atravessamos o posto pareados. Quando chegamos novamente na ciclovia, eu estava novamente na frente.
Contudo, 200 metros depois, ele me ultrapassou novamente para, 100 metros depois, eu estar de volta na frente. E ele sempre bem próximo de mim, colado.
Fizemos uma curva, e chegamos na avenida. Eram muitos os carros que passavam. Estávamos um do lado do outro, pareados, esperando o fluxo diminuir para atravessar a avenida. Nem olhamos um para o outro. A concentração no fluxo de carros era total. Quem partisse primeiro teria uma boa vantagem.
Sai na frente e mantive o ritmo intenso. Olhei pelo retrovisor e percebi que ele foi desaparecendo sob a névoa seca.
Eu me regozijava com sua silhueta que ia se desvanecendo, e pensava:
- É sempre uma batalha. Nunca foi fácil. Não é fácil. Mas temos de perseverar na luta. Não passarão!
1 comment:
Tomara
Post a Comment