Solange (Sol) era atriz. Realizava um trabalho belíssimo de extensão junto às comunidades da periferia, e também fazia performances. Ela estava participando da instalação de alguns novos dispositivos em um dos centros culturais da cidade.
Após um dia intenso de trabalho, estendeu sua rede em um dos galpões do próprio centro cultural. Enquanto relaxava um pouco, conversamos sobre os novos projetos que estavam surgindo e as perspectivas culturais, que eram promissoras.
Dois dias depois haveria um evento marcante, com exposições e performances.
- Nossa, Sol, pela sua descrição sinto que esse evento tem tudo a ver com meu irmão. Ele iria adorar!
- Então no sábado ele não pode faltar! Você tem que avisá-lo. Ele tem que vir aqui.
- Sim, sim... Vou entrar em contato com ele e fazer de tudo para que ele venha. Mas às vezes é um pouco complicado...
- Não entendi. Como assim?
- Ele passou por uma situação muito difícil, muito traumática, ao ponto de todo mundo pensar que ele tinha morrido. Aliás, ele quase morreu. Foi um milagre ele não ter morrido.
Era sempre muito difícil falar de Edu. Sempre que eu o mencionava em alguma conversa, e que o assunto se estendia um pouco mais, eu sabia que depois eu teria que explicar algo bastante difícil para as pessoas, porque a vida dele tinha sido marcada por um rombo muito grande, por um trauma enorme. E esse trauma o havia transformado em um ser completamente diferente. Era sempre importante ir preparando as pessoas para entenderem que conheceriam alguém talvez um pouco assustador.
Porém, conforme fui conversando com Sol, fui me dando conta de que eu às vezes pensava pouco sobre ele. Eu às vezes esquecia que ele existia, onde morava e o que estava fazendo no presente.
Isso me incomodava bastante. Era sempre importante não esquecer que ele existia, porque ele já tinha passado por algo muito difícil e era fundamental agora cuidar bastante de Edu para que ele não voltasse para o mesmo buraco escuro onde um dia havia se metido.
- Adriano, eu estou aqui te ouvindo e pensando no que deve ter acontecido com ele. Ele por acaso sofreu um acidente? Ele é sobrevivente de um acidente terrível? É isso?
- Ele sobreviveu a uma tentativa extrema de suicídio. E uma coisa triste nisso tudo é que eu às vezes sinto que ele morreu. Mas ele não morreu, e eu não consigo entender o porquê desse meu sentimento. Poxa, o cara não morreu. O cara tá vivo e trabalha aqui, nas imediações de Ribeirão Preto, ainda com Odontologia, que é o ganha-pão dele. E ele continua a todo vapor com a sua produção em artes plásticas e performances. Ele vai adorar esse evento. Eu preciso fazer com que ele venha. Mas o difícil é conseguir encontrá-lo e convencê-lo de que ele precisa vir.
- Então ele não pode perder esse evento! Ele vai amar, e tem mesmo tudo a ver com ele!
- Nossa, só não me conformo com esse meu pensamento, às vezes automático e involuntário, de achar que ele morreu. Não tem cabimento isso. O susto, o trauma, foi gigantesco. Mas o cara tá vivo, tocando a vida dele, apesar de todas as dificuldades...
Eu estava deitado numa posição que não era muito confortável, e acordei, mais uma vez. Edu faleceu há 24 anos.
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