As aulas voltaram. Não tem jeito. Agora é aula presencial ou é a criança em casa, se sentindo excluída de uma escola que ela não pode frequentar, porque não há mais a opção de ensino remoto, apesar de estarmos no pico de contaminações de toda a pandemia.
Hoje a professora pediu para que as crianças respondessem à seguinte questão, com uma única frase:
"O que vocês fizeram durante as férias?"
"Eu assisti a meio filme com meu pai!", foi o que minha filha respondeu.
Minha esposa fez inúmeras coisas divertidas com minha filha, e se fosse menos atenta não entenderia a resposta.
E eu de fato, em um determinado momento, assisti mesmo somente a meio filme com ela. E também, se não fosse atento, iria pensar que ela acabou com minha reputação perante a professora.
Acontece que, para boa parte do que ocorre nessa vida, temos de saber interpretar os fatos em seu devido contexto.
Há quase uma semana, de sexta para sábado, às 3 horas da manhã, minha esposa começou a passar mal. E assim sucedeu, durante 12 horas seguidas, vomitando o tempo todo, sem conseguir até mesmo ingerir um único copo d'água e com dores intensas na região abdominal.
Chegou num ponto em que lhe perguntei em qual local específico do abdômen doía mais. Ela apontou o lado direito. Logo pensei que era provavelmente uma apendicite aguda.
Corremos para o pronto-socorro, e era isso mesmo. Foi operada 7 horas depois, às 22:30 do sábado.
Chegamos em casa já bem tarde, muito cansados, mais ou menos no horário em que minha esposa estava na mesa de cirurgia.
Como estamos em plena pandemia, e viemos de um hospital, fiz questão de entrar no box junto com minha filha e lhe dar um bom banho.
Quando passeamos sozinhos, somente eu e ela, produzimos interações bem diferentes, e esses eventos acabam se tornando, muitas vezes, bastante especiais, agradáveis e memoráveis. São expressões singulares de nosso amor, entre pai e filha, das quais geralmente não me esqueço, e sempre faço questão de guardar na lembrança, com bastante carinho.
Depois do banho, bem mais relaxados e descansados, pedi então a ela para que escolhesse um filme.
Ela escolheu um desenho animado, muito bonito, que se chama Parque dos Sonhos, em que uma menina, com mais ou menos a idade dela, é separada da mãe em virtude desta estar possivelmente internada em alguma clínica ou hospital com sérios problemas de saúde.
O cenário não podia ser melhor. Nosso cineminha particular era composto por nós dois, deitados na cama, comendo pipoca e assistindo a uma linda produção cinematográfica infantil.
Depois de mais ou menos meio filme assistido, o relógio já marcava quase meia-noite. Estávamos morrendo de sono, e pretendíamos chegar bem cedo ao hospital, para a visita à mamãe.
Ela concordou prontamente em interromper nossa sessão de cinema naquele momento, demonstrando ampla compreensão de tudo o que estava acontecendo, com exceção do medo intenso em relação ao que poderia ocorrer com sua mãe.
- Não quero que a mamãe morra, papai... Eu amo muito ela! Eu amo muito você! - com lágrimas a escorrer de seu rostinho.
Não escondi dela a verdade, e consegui convencê-la de que a situação de mamãe era difícil, mas não tão grave quanto ela imaginava, e que o risco de morte era baixo.
Tranquilizou-se, e dormimos placidamente o sono merecido de quem havia tido um dia atribulado e difícil.
E foi isso que ela fez em suas férias. Ela realmente assistiu a meio filme comigo, e isso foi muito significativo para toda a nossa pequena família.
É isso, professora.
Sobrevivemos, mais uma vez. Somos gratos, ao destino, ao acaso, ao que quer que seja.
Esse foi, até o momento, o melhor meio filme de nossas vidas!
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