Penso que, quando se fala de sofrimento, há coisas que geralmente não são tratadas em suas devidas peculiaridades.
Duas dessas coisas são a passagem do tempo e o passado.
Quando ocorrem eventos extremamente dolorosos, a passagem do tempo pode tanto ter um papel de atenuação como de agravamento do sofrimento relacionado a esses eventos. E isso possui diversas nuances, a variar de caso a caso.
Desse modo talvez não faça muito sentido afirmar que existem dores que jamais deixarão de existir, querendo dizer, mesmo que não intencionalmente, que elas jamais terão qualquer tipo de alívio ou de atenuação.
E é comum se fazer esse tipo de alegação em referência à perda de entes queridos ou filhos, por exemplo.
Penso que é perfeitamente possível afirmar que a dor da perda de um ente muito querido, tal como um filho, é algo que não se apaga.
Porém, a alegação de que é algo que não se atenua de modo algum, não transmite solidez. Não vejo sentido em se fazer uma alegação tão categórica para todos os casos existentes.
E sinto que a passagem do tempo pode tanto atenuar quanto intensificar o sofrimento da falta da pessoa amada que se foi.
Se apesar de uma perda extremamente dolorosa, a vida prosseguir e de alguma forma se reconstruir, a tendência é que essa dor vá se atenuando.
Contudo, se após um evento tão trágico, há uma piora generalizada de vários aspectos da vida, a tendência é a dor da perda se intensificar. E, para piorar, ainda somar-se ao sofrimento da consciência de que o tempo passou, de que nada se resolveu e que até houve uma piora de tudo.
A própria passagem do tempo, sem alteração, sem melhora, já é bastante sofrida por si só. Imagine que isso fica ainda mais sofrido quando somado a um buraco muito grande, a uma perda muito grande, que não foi nem mesmo tamponada de modo algum.
E há também uma tendência a se rememorar dolorosamente perdas ou sofrimentos passados, com mais frequência, em momentos mais difíceis da vida. Se a vida fica mais difícil há uma tendência a se lamentar perdas antigas.
Uma vida destruída, e sem bem-estar, é geralmente marcada por nostalgias incompreensíveis para quem está vivendo razoavelmente bem.
E o outro ponto que quero também comentar aqui é o peso do passado. É comum pessoas estarem sofrendo de sintomas de ansiedade e depressão, e de vagamente se fazer relações disso com um passado distante, com sua infância, por exemplo.
Uma pessoa vive a infância, na qual passa por inúmeras situações de sofrimento, e essas sensações desaparecem durante os anos subsequentes, da adolescência e muitas vezes até mesmo os primeiros anos da idade adulta.
Mas é possível que essa pessoa comece a padecer de intensos sintomas de ansiedade e depressão, sem conseguir encontrar qualquer tipo de explicação para o que está sentindo. Se vê triste, angustiada e com medo de uma série de coisas, das quais não tinha qualquer tipo de medo anteriormente.
E, com frequência, talvez numa espécie de comportamento culturalmente gratificado, muitas pessoas que estão em volta, e até a própria pessoa que está sofrendo, costumam atribuir a atualidade de seus sofrimentos a algumas coisas remotas de sua infância.
"Ela está assim porque era humilhada por seus pais em sua infância"; "Ele está sofrendo desse jeito hoje porque teve aqueles traumas na infância" - costumam dizer.
Mas resta explicar, especificamente, como alguma coisa que ocorreu na infância, depois de ter ficado em latência, por vários anos, volta a se exprimir na idade adulta, quando aquele contexto da infância nem existe mais.
São circunstâncias específicas do passado, que anos depois voltam a se expressar e a se generalizar, de modo a causar tanta destruição, mesmo em contextos tão diferentes?
Ou é o sofrimento atual que, de alguma forma, ajuda a produzir rememorações de um passado também doloroso, e que assim entra em ressonância com o próprio sofrimento atual, ajudando a intensificá-lo, criando muitas vezes a ilusão de que é seu causador?
Cabe a uma escuta atenta, a um processo meticuloso e cuidadoso de terapia ou de orientação psicológica, investigar esses fatos nesse nível de detalhe, de especificidade, ou o risco de mistificar o peso do passado e a passagem do tempo, com elucubrações e explicações vagas e equivocadas.