Tenho profunda admiração por Carlos Lamarca e Ernesto Che Guevara.
Ambos, com seus vinte e poucos anos, viajaram pelo mundo afora, testemunharam a miséria de muitas pessoas, e retornaram com ideais mais igualitários.
Lamarca testemunhou a pobreza, a miséria e o sofrimento inaceitável na Palestina, no início da década de 60, assim como também o que percebia da realidade brasileira, e Che Guevara viajou por toda a América Latina.
Os ideais socialistas e comunistas são, em princípio, moralmente superiores à ética capitalista.
São éticas diferentes. Os ideais comunistas se pautam por uma ética de cunho mais principialista. O capitalismo se pauta mais por uma ética consequencialista.
Quero então fazer uma analogia, com um exemplo bem simples.
Suponha que alguém está se afogando, e uma pessoa lhe arremessa uma boia, para tentar salvá-la, e esta mesma boia atinge sua cabeça, provocando um desmaio, e que por fim a mata afogada.
Nesse caso temos uma intenção que é boa, porém com um resultado catastrófico. É fundamentalmente disso que é acusado o socialismo, geralmente com críticas que se referem ao socialismo soviético.
Agora suponha que, ainda como no primeiro exemplo, alguém esteja se afogando. Porém, do alto de um barco, alguém arremessa uma boia, com o objetivo de atingir o afogado na cabeça, para que ele desmaie, e morra.
A intenção neste caso é no mínimo difícil de ser compreendida, ou então é de fato maléfica, ou somente pode ser explicada por motivos egoísticos.
Quem está tentando matar alguém que está se afogando pode tentar se justificar com argumentos mais típicos da extrema-direita, de cunho nazi-fascista, dizendo que os afogados estão emperrando com a possibilidade de progresso material, econômico, da coletividade. Deve-se então deixar que os mais fracos pereçam, para que a própria coletividade, como um todo, possa se fortalecer.
Contudo, segundo o exemplo que dei, observamos que a intenção é ruim, e o resultado acaba sendo, contudo, satisfatório. Alguém tentou matar outra pessoa e acabou, no final das contas, salvando sua vida.
E não é muito difícil de julgar qual das duas ações é moralmente superior. Mesmo que o resultado da primeira ação tenha sido catastrófico, ela pode ser vista como moralmente superior.
Então a impressão que tenho é que, em termos principialistas, a moral comunista é superior à moral capitalista.
A moral capitalista é muito mais tortuosa. É aquela história de que existem benefícios privados que produzirão, no final das contas, benefícios coletivos, de que é melhor cada um cuidar da sua própria vida, da melhor forma possível, que isso irá, no final das contas, produzir um grande benefício coletivo.
O motor do capitalismo é o individualismo, o egoísmo. Ele aproveita o egoísmo como uma grande força motriz para a produção de riquezas que, no final das contas, aumenta o tamanho do bolo, aumenta a riqueza da sociedade como um todo.
Para o capitalismo é fundamental que todo mundo queira ser rico, que todo mundo queira ganhar muito dinheiro, porque isso acaba depois sendo convertido em benfeitorias para toda a coletividade. Porque, em tese, uma pessoa muito rica, no sistema capitalista, querendo ficar cada vez mais rica, emprega outras pessoas, consome muitos bens e serviços, coleta uma quantidade muito grande de impostos, e assim o mundo vai progredindo.
Os capitalistas acusam os comunistas de não conhecerem a natureza humana, e de não saberem que é importante levar em conta a motivação individual. Falam, com razão, que "não existe almoço grátis", que nada é de graça, que tudo demanda o trabalho de alguém, que é preciso ter uma certa proporcionalidade, que as pessoas não podem simplesmente receber as mesmas gratificações, independentemente do que fizeram, que quem faz mais precisa ser gratificado por isso.
Outro ponto importante é a crítica de que talvez alguns comunistas tenham uma visão da natureza humana que é ingênua, pois talvez concebam o ser humano como essencialmente bom. E isso está obviamente longe de ser um fato.
Então algumas críticas da direita para esquerda talvez tenham fundamento quando acusam os comunistas de serem equivocados. Porque não dá para acusar os comunistas de serem, em princípio, maus ou desprovidos de compaixão. E esse tipo de acusação, por sua vez, dá para ser feita a muitas pessoas que defendem a defesa do egoísmo como algo que vai salvar a humanidade.
Em termos freudianos é mais arriscado o altruísmo desesperado do que o egoísmo esclarecido. Muitas vezes quem se manifesta como se fosse o herói, que está lutando pelos pobres e miseráveis, é alguém também carregado de narcisismo e desejo de poder.
Muitos que dizem que estão lutando para aumentar a igualdade no mundo, muitas vezes estão lutando por simples projeção de seus próprios desejos narcisísticos. Mas, convenhamos, isso é mais comum na caridade paternalista do que em um projeto estruturado de desconcentração de poder e renda. Então, para início de conversa, não confundamos comunismo com caridade. E é exatamente neste ponto que a crítica de muitos, da direita para a esquerda, é também fundamentalmente equivocada. Porque comunismo não é caridade nem cristianismo. Não é, por um ato de boa vontade, doar tudo o que se tem para os pobres.
E também não é a crença de que o ser humano é fundamentalmente bom. Porque, se assim o fosse, não haveria porque haver, na fase socialista, o peso da mão do Estado planejando a vida social e econômica.
Tanto Carlos Lamarca como Ernesto Che Guevara vislumbraram a possibilidade de um sistema socioeconômico diferente que, da forma como entendemos hoje, possa aproveitar tudo de bom que o capitalismo produziu e, a partir disso, construir um mundo mais igualitário e benéfico para todos nós.
Porque o socialismo não é o contrário do capitalismo, e nem mesmo a negação deste. É sua assimilação e superação necessária.