"Se a mais vil das criaturas me esbofeteasse, eu não lhe retribuiria a ofensa, mas lhe pediria perdão por havê-la provocado" (Emily Bronte).
Em uma única frase, nessa frase acima, Emily Bronte me ensinou muitas coisas. Se não me ensinou literalmente, me sensibilizou para que eu me abrisse para novos aprendizados, os quais tem sido muito valiosos pra mim, há alguns anos.
Essa frase chama a atenção para uma questão fundamental em termos de interações humanas: quais são as melhores formas para resolvermos nossos conflitos interpessoais e qual é o papel da assertividade nesse campo?
Etimologicamente o termo assertividade remete a asserção. Quem profere asserções profere afirmações. O termo assertivo é muito utilizado no sentido da capacidade de se expressar com clareza, firmeza, convicção. A assertividade é uma forma de comunicar-se de modo eficaz. Contudo para a Psicologia esse termo tem um significado especial. Diz respeito à capacidade de se comunicar de modo transparente e integral, conseguindo fazer com que seu interlocutor seja capaz de ouvir, sem muitas barreiras ou defesas. É um modo de comunicação eficaz porque permite a fala e a escuta em uma interação eminentemente empática.
Para, de modo mais ágil, poder facilitar a sua compreensão desse conceito, eu diria que a assertividade está relacionada à capacidade de ser sincero sem ser ríspido, e de ser polido sem ser fingido. Comunicações assertivas são comunicações transparentes, sinceras, claras, porém extremamente empenhadas em serem isentas de acusações e hostilizações.
É um tipo de comunicação que não visa agredir ou denegrir. Seu objetivo é a compreensão mútua e até mesmo alguns níveis de conciliação. É uma forma de comunicação não violenta, pacifista, sem ser passiva, já que é transparente, sincera. Coloca as cartas na mesa, mas com polidez, com muito jeito e muitas vezes, porque não assim dizer: com amor.
E surge então uma questão importante: como ser sincero sem ser ríspido e ser polido sem ser fingido? Como ser assertivo? Obviamente que algumas instruções gerais costumam não ser suficientes. É sabido que treino é fundamental. Na vivência das mais variadas situações de conflito, e (com orientações adequadas) na tentativa de ser mais assertivo, é que vamos aos poucos nos tornando mais assertivos. Isso contudo não elimina a existência e a utilidade de algumas orientações gerais, as quais muitas vezes são enunciadas ou sugeridas, em boa medida, em algumas frases brilhantes, como essa de Emily Bronte.
Na tentativa de ser sincero sem ser ríspido, e ser polido sem ser fingido, um dos procedimentos mais utilizados é a expressão em primeira pessoa, e sempre tentando se concentrar nos sentimentos vivenciados na interação. É importante não acusar, julgar, condenar ou agredir o interlocutor. Esses comportamentos provocam repulsão na pessoa com quem estamos interagindo: afastam. Fazem com que ela tente fugir da situação ou entre em conflito mais aberto conosco. Fazem com que as pessoas se armem. Não aproximam, permitindo escuta, compreensão mútua. Vamos a alguns exemplos:
Caso 1
Acusatório e hostilizador (pouco assertivo): "Você é um sem vergonha de um mentiroso. Você não vale nada..."
Assertivo: "Você disse que estava no escritório, e depois fiquei sabendo que não estava. Fiquei muitíssimo triste e irritada com esse seu comportamento, por não ter me falado a verdade".
Caso 2
Acusatório (pouco assertivo): "A maneira como você me compara com seu pai é cruel e ridícula".
Assertivo: "Quando você me compara com seu pai, eu me sinto muito desvalorizado, preterido."
Caso 3
Tenta desqualificar, humilhando (pouco assertivo): "Pra você nunca nada está bom. Ninguém te tolera, ninguém aguenta conviver com você..."
Assertivo: "Você ontem disse que eu não me dedico às crianças. Fiquei muitíssimo chateado com isso, pois nos últimos 10 dias de férias me dediquei quase que integralmente a elas".
Algumas pessoas irão se precipitar, e afirmar que no caso 1 a pessoa (em tese, assertiva) estaria passando a mão na cabeça de um safado. Contudo, uma postura menos assertiva e mais agressiva somente faria talvez sentido se houvesse plena convicção da necessidade de um rompimento, por exemplo.
Outras pessoas também costumam estranhar bastante a frase de Emily Bronte, e afirmam que dessa maneira você pode simplesmente somente gratificar o comportamento agressivo da outra pessoa, já que estaria se rebaixando frente a um ato claro de violência, o qual deveria na verdade ser combatido também com o uso da força.
Contudo, ao demonstrar para o agressor que de alguma forma compreendemos sua impulsividade ou sua irritação, temos muitas vezes a oportunidade de quebrar um ciclo de agressões mútuas com diversos danos em potencial. Temos, por meio da empatia, a oportunidade de fazer com que o agressor observe seus próprios comportamentos. Esse procedimento costuma ser classificado como sendo a reflexão de sentimentos. Funciona como se estivéssemos colocando um espelho na frente do agressor, com o qual ele tem a oportunidade de se observar melhor, de observar melhor seus próprios comportamentos e talvez seus possíveis danos.
Fora o fato de que o ato de se desculpar, nesses contextos, não diz respeito a assumir por completo que estamos errados em um determinado conflito. Não está sendo dito ao agressor que ele agiu corretamente quando nos deu um tapa na cara. Isso obviamente não foi correto, e certamente haverá um momento mais propício para que isso seja dito, ou para que o próprio agressor, com a manifestação na nossa empatia, venha a perceber que agiu de modo errado.
É lugar-comum, mas não custa reiterar: violência gera violência. Gentileza gera entendimento, compreensão, consciência; portanto: mais gentileza.
E cada vez venho me convencendo mais de uma coisa: sempre, diante de interações mais turbulentas, vale mais a pena reagir com tristeza e ponderação do que com agressividade ou violência.
A tristeza nos faz sofrer, e cobra um preço alto, mas no final das contas o saldo, com ela, é mais benéfico do que com a violência. A tristeza costuma doer bastante, e pode nos torturar por um bom tempo na terra devastada de nossos afetos, após alguma ingratidão ou hostilização. Mas a tristeza tem uma capacidade de organização das ideias e do mundo de interações turbulentas entre as pessoas da qual a agressividade nem chega aos pés.
A tristeza tenta compreender o que ocorreu, e vai aos poucos digerindo as feridas. A precipitação em ser agressivo nos faz correr riscos desnecessários, podendo causar danos irreversíveis: repele, destrói e compreende pouco, deixando muitas vezes um rastro sanguinolento de culpa e medo, um deserto completo onde antes havia amor.
A tristeza semeia a cura, e a violência somente sabe semear a morte. Sei que é preciso morrer, mas não todo dia. E, sinceramente, não é um mundo em que as pessoas constantemente se destroem umas às outras o qual quero habitar ou construir.
Acho fundamental deixar que a tristeza faça seu trabalho de botar as coisas no seu devido lugar, para depois podermos mostrar ao outro as razões dela. A violência fecha muitas oportunidades e janelas para o amor e para a vida. A tristeza é um movimento de se fechar em si mesmo que deixa muitas boas janelas abertas.
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