Friday, March 11, 2016

Bolsonaro e o controle aversivo

Há poucos dias Bolsonaro, em uma entrevista, disse assim: “Entendo que a religião é um freio na nossa vida. Se você não teme a nada é porque você vai ser um elemento perigoso para a sociedade. O homem só respeita o que ele teme”

Essa fala de Bolsonaro tem um certo eco com uma ideia de Maquiavel, expressa no capítulo 17 de "O príncipe": "Os homens tem menos escrúpulos em ofender quem se faz amar do quem se faz temer, pois o amor é mantido por vínculos de gratidão que se rompem quando deixam de ser necessários, já que os homens são egoístas; mas o temor é mantido pelo medo do castigo, que nunca falha."

Essas pessoas acreditam que a melhor forma de motivação é pelo medo, pela dor. E não é. O melhor caminho é o do amor. A análise do comportamento já vem refutando essa fala de Maquiavel há algumas décadas, com diversos experimentos que vem sendo replicados, tanto com animais como com humanos. Maquiavel não tem razão nesse ponto. Já foi muito bem refutado. E essa é infelizmente a visão de mundo ultrapassada e triste que muitos conservadores têm.

Segundo a perspectiva da Análise do Comportamento, nos comportamos basicamente em função de duas consequências: nos comportamos para obter gratificações ou para evitar consequências aversivas. Para que todo mundo entenda com clareza, eu diria que tudo o que fazemos é para obter algo bom ou para evitar algo ruim.  No primeiro caso, de modo geral, poderíamos dizer que as pessoas estão agindo por amor, porque gostam do que estão fazendo. No segundo caso as pessoas estariam agindo somente por dever, sob pressão ou medo. 

Acho inclusive interessante uma expressão, se não me falhe a memória, atribuída a Immanuel Kant, a qual diz mais ou menos assim: quem age por dever não age por amor. O cumprimento dos deveres, pura e simplesmente, talvez seja muito pobre em termos existenciais. O que mais confere valor e sentido à vida é o amor, o desejo, a vontade. Eles é que criam o valor. Sem eles não há valor. Quando uma pessoa sente que sua vida vale a pena muito provavelmente isso se refere a um predomínio do amor (ou do desejo, da vontade) sobre o dever. Se comportar para evitar o mal, viver predominantemente em função da evitação do mal, ou predominantemente aprender pela dor, não é o mais desejável em termos de saúde.

Quando alguém se comporta em função do medo ou da dor, isso em Análise do Comportamento é tecnicamente chamado de controle aversivo. O controle aversivo é de fácil aplicação e apresenta resultados mais rápidos. Porém é menos eficaz e produz diversos efeitos danosos, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade como um todo.
O mais desejável é o que os analistas do comportamento chamam de reforçamento positivo o qual, em diversos pontos, pode muito bem ser correlacionado ao que costumamos chamar de amor.

Interações mais violentas, ou mais carregadas de ameaças, são pautadas por coerção, por controle aversivo. Agressões físicas, ou mesmo qualquer outro tipo de agressão (ameaçar, humilhar, gritar, xingar) tendem a produzir dois extremos: inibição, embotamento, ou mais violência. Quem sofre uma agressão (seja ela no plano físico ou verbal) se intimida ou revida. Comportamentos que tem como consequência a produção de estimulações aversivas tendem a desaparecer na presença do agente punidor.  Contudo, uma educação baseada nisso é muito pobre em termos da aquisição de novos comportamentos, e não se foca nos determinantes dos comportamentos.

Interações baseadas no medo tendem, portanto, a fazer com que as pessoas se comportem de modo inibido, embotado, pouco criativo e original ou o outro extremo: algumas pessoas podem reagir também de modo muito defensivo, agressivo. 

Ou seja, nesse contexto há um empobrecimento dos repertórios comportamentais das pessoas que sofrem agressões ou as interações são violentas e pouco autênticas. Pouco autênticas, também, porque as pessoas punidas tendem a se comportar da maneira desejada somente quando o agente punidor está presente.  Isso é o que os analistas do comportamento chamam de contracontrole: outro efeito colateral dos esquemas aversivos. Isso nos dá, por exemplo, uma boa ideia do que é geralmente um puxa-saco. Na presença do chefe ele é o melhor funcionário: bajulador e obediente. Na ausência do chefe ele se comporta como qualquer outro subordinado.

Portanto, líderes tirânicos tendem a ter subordinados inibidos, embotados e sem criatividade, autenticidade e originalidade, além de muito possivelmente viverem cercados, com mais facilidade, de puxa-sacos e traidores. E os traidores liberam toda a sua agressividade na melhor oportunidade que encontrarem para poderem trucidar seu líder tirânico. Foi assim com Calígula e muitos outros na história. 

E assim caminha a vida baseada em violência: de tragédia em tragédia, e produzindo muito pouca informação, conhecimento e riquezas (em todos os níveis) para a humanidade.

Referências:
Sidman, M. (1995). Coerção e suas implicações. Campinas, SP: Editorial Psy.
https://blogpsicologiablog.files.wordpress.com/2011/08/coercao.pdf
Viecili, Juliane, & Medeiros, José Gonçalves. (2002). A coerção e suas implicações na relação professor-aluno. Psico-USF, 7(2), 229-238.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-82712002000200012

2 comments:

Unknown said...

Ótimo texto, Adriano. Fundamental para pais e educadores. Importantíssimo para líderes.
Entretanto, acrescentaria os seguintes aspectos: 1- a circunstância determina o método sendo que as emergências requerem coerção com frequência; 2- a afirmação pelo amor pode ser a primeira abordagem de uma situação e deve sempre substituir qualquer outra interação de viés imperativo, ainda que inicialmente necessária, pois que está é insustentável a longo prazo pelas razões que você tão bem expôs; 3- é preciso desenvolver o sentimento de amor pelo dever - coisa mais frequente entre o militares de carreira, p.ex., o Bolsonaro - e isso é muito difícil para grandes populações, sobretudo quando não se sentem representadas pelos políticos; 4- a religião é, de fato, um freio social em cujo enredo há um temor não à justiça divina mas à perda do amor de Deus (apesar de impossível pois o Pai sempre ama seus filhos e os pais só não amam seus filhos em circunstâncias excepcionalíssimas). Então, em suma, Bolsonaro é compreendido como militar que é, como católico que é, como político que é e nas circunstâncias em que está o Brasil. É um mal necessário para acabar com um mal maior que se abate sobre nosso país mas que deverá distender lenta, segura e progressivamente para um outro tipo de liderança (Ernesto Geisel fez isso). O destemor é, na realidade, um perigo para o indivíduo e para a coletividade e, nesse sentido, a importância da religião com aquele aspecto que já abordamos... As doutrinas que pregam o agnosticismo, entre elas o socialismo, substituem Deus pelo partido e por impossível terem amor divinal para serem amadas de volta, necessitam do subterfúgio totalitário com todos os seus defeitos, vide Hitler (o Nazismo é socialista!), Stalin, Fidel, Mao, Kin Jong Uhm, Tito, Chavez, Dilma... Assim, a afirmação do Bolsonaro não é um disparate.
Grande abraço.

Anonymous said...

Tenta aprender alguma coisa: https://www.youtube.com/watch?v=vpd_P0N7nuI