Peter
Singer, referência fundamental em bioética, é um autor que traça
reflexões importantes sobre o direito à vida, o direito de morrer e
o direito de matar.
O
primeiro ponto que deve ser levado em conta é que ele é um
utilitarista. Na concepção utilitarista é um imperativo ético
agir para diminuir o sofrimento no mundo como um todo. Neste sentido,
a ética não se restringe às interações entre os seres humanos.
Se estende também para as interações dos seres humanos com todos
os outros seres vivos.
A
ética é uma filosofia da ação, a qual faz reflexões sistemáticas
sobre os conceitos de bem e mal, tentando produzir conhecimentos
consistentes sobre nossas ações em relação aos seus possíveis
benefícios e e malefícios para todos os seres vivos que sofrem.
O
objetivo da ética utilitarista é a diminuição de sofrimentos
evitáveis no mundo porque, para esta abordagem, o sofrimento
evitável é de certo modo o próprio mal. Se há sofrimento e ele é
evitável, eis o mal a ser combatido.
O
utilitarismo adotado por Peter Singer, por sua vez, se atrela
bastante ao respeito pelos interesses dos seres vivos em questão. A
compreensão é a de que, tendo seus interesses vitais contrariados,
alguns seres vivos sofrem bastante. Ou seja, somente possuem
interesses os seres vivos que sofrem. Em tese, as plantas ou um feto
com menos de doze semanas de vida, por exemplo, não possuem
interesse algum, já que até o presente momento não possuímos
qualquer tipo de evidência de que sofrem.
Então,
que fique claro, para esta concepção ética não há uma
sacralização da vida, nem mesmo da vida humana. Aliás, em termos
modernos, não faz sentido se sacralizar o que quer que seja. Nesse
sentido, o respeito maior é pelo interesse de cada um em relação a
si mesmo: ao seu próprio corpo e à sua própria vida. É ético,
nesse caso, fundamentalmente, o respeito pelo outro e por seu
bem-estar, desde que esse bem-estar não cause diretamente malefícios
a terceiros.
Nesses
termos, portanto, o direito à vida deve ser concedido àqueles seres
que sofrem e que tem interesse em continuar vivendo, os quais têm
consciência de que estão vivendo e de que existe a morte, sendo
capazes de conceber um tempo futuro e de planejar sua própria vida
em relação a esses dados de sua realidade.
Para
os seres humanos, por exemplo, é importante saber que têm o direito
à vida, que outras pessoas não podem simplesmente atentar contra a
sua vida (ou contra a vida das pessoas que estimam) sem que isso
tenha consequências sérias. Saber que o estado ou outras pessoas
poderiam dar cabo de nossas vidas (ou da vida das pessoas que
amamos), arbitrariamente, pode causar muita angústia e sofrimento em
todas as pessoas, com sérios riscos de ruptura do tecido social.
Isso é a barbárie, a guerra de todos contra todos.
Não
há garantia de uma organização social mínima sem que o direito à
vida seja resguardado. Não teríamos nesse caso uma sociedade mas
sim grupos, clãs, isolados e em constante tensão.
Portanto,
o direito à vida serve para proteger a vida dos indivíduos e da
sociedade como um todo. Mesmo os mais niilistas e desapegados em
relação à sua própria vida, tem de certo modo a obrigação moral
de lutarem, na medida do possível, para se manterem vivos e bem, já
que a vida de um ser humano costuma geralmente ser muito preciosa a
outros seres humanos. Quando uma pessoa morre, geralmente outras
ficam vivas e sofrendo muito em virtude dessa que se foi. Algumas
pessoas, quando morrem, podem deixar danos irreparáveis nos que
ficam.
Contudo,
se uma pessoa está sobrevivendo em péssimas condições, em
sofrimento extremo e irremediável (o qual é vivenciado por essa
pessoa como insuportável), deve haver condições sociais para que
ela tenha o direito de morrer. Se não somos, como sociedade, capazes
de aliviar o sofrimento extremo de alguém que não suporta mais
viver, devemos ajudá-la a morrer com dignidade.
Nesta
vertente prevalece uma concepção consequencialista. Se a
consequência do que fazemos produz mais benefícios do que
malefícios, essa ação é geralmente julgada como a correta, como
aquela que deve ser adotada. Então o direito de morrer, o direito à
eutanásia, o direito a uma morte indolor, para quem possui uma
doença terminal ou padece de sofrimentos extremos e irremediáveis,
é o direito de terminar com sofrimentos que podem e devem ser
evitados. Isso é uma ética da compaixão, da empatia e do respeito
pela autonomia das pessoas.
E,
por fim, o direito de matar. Não há como sustentar a afirmação
simplória de que matar é sempre errado, porque nossa sobrevivência
enquanto espécie implica em matar seres de outras espécies, o tempo
todo. Mesmo quem adota uma dieta vegetariana também mata outros
seres vivos para poder se alimentar deles, ou para se proteger e não
contrair doenças e vir a perecer. No final das contas, o mais
importante é saber como os seres vivos sencientes (que sofrem), que
estão sob nossa responsabilidade, estão vivendo e sendo criados por
nós. E se formos nos alimentar deles, é eticamente importante que
tenham um abate o mais indolor possível, pois temos condições de
lhes garantir uma morte digna. Assim como temos condições de
diminuir, em nossa população, a ingestão de proteína animal, a
qual pode ser, em boa medida (mas não totalmente), substituída por
proteína de origem vegetal.
Finalizando:
a ética proposta por Peter Singer jamais propõe que deve-se matar
esse ou aquele ser vivo. Não é prescritiva nesse sentido. Matar não
é um dever, muito menos nos contextos que envolvem seres humanos. É,
no máximo, um direito. O dever, nesta concepção, está relacionado
à diminuição do sofrimento no mundo, o qual de forma alguma se
resolve com prescrições de extinção de seres humanos, em massa,
como muitos afirmam para tentar refutar a ética utilitarista.
Portanto, conforme as razões que já foram aqui expostas, seres
humanos autônomos e com consciência de si mesmos (ou mesmo aqueles
que já foram assim algum dia), donos de sua própria vida e de seu
próprio corpo, esses seres humanos têm direito à vida.