Thursday, June 28, 2012

Sozinho no mundo



Sozinho no mundo. Um filhote. Um gatinho preto, de olhos clarinhos, amarelos. Gente, muita gente, indo e vindo, o tempo todo. A maioria, indiferente. E o gatinho, absurdamente frágil em sua existência solitária, ali, presente, mas quase invisível.

No primeiro dia em que o vi, ele tinha um dos olhos um pouco feridos ou irritados e me olhava atentamente, precavido, guardando distância, protegendo-se, escondendo-se, sem miar. Aliás, em quatro dias de alguma convivência com esse bichinho, nunca ouvi seu miado, nunca ouvi qualquer sinal de sua existência.

Fiquei marcado, em quatro dias, pelo olho no olho, por procurá-lo todos os dias e tentar alimentá-lo, em saber que animais são proibidos em meu condomínio; em ficar observando-o de perto ou ao longe: seus belos e pueris pulinhos de fuga, sua procura solitária por um lugarzinho no mundo, ou o amor de alguns pequenos e quase despercebidos gestos: um pouquinho de leite que alguém deixara; e saber que outros, assim como eu, também se compadeciam por aquele pedacinho nascente e alegre de vida que os filhotes despertam em nosso coração.

Lilian me acompanhou algumas vezes em minha procura pelo gatinho preto. Podíamos, algumas vezes, vê-lo da janela de nosso apartamento, em sua interação constante de exploração e fuga. Contudo, o tempo se alongou um pouco. Por uma noite ele não mais apareceu e nem na manhã seguinte, em frente à padaria, tomando sol, como de costume.

Cheguei do trabalho, para o almoço, e fui procurá-lo. Não o encontrei nos lugares de costume e por fim fui até a padaria. Nenhum sinal. Porém, a cerca de vinte metros de distância, no canto da rua, avistei um manchinha preta a se destacar do asfalto.

Podia ser um saco de lixo ou podia ser ele mesmo. Era ele. Era seu corpinho, somente reconhecível pelo tamanho, pelagem e coloração. Era o gatinho preto, de minha afeição de quatro dias, morto, com a cabecinha esmagada e a ausência de qualquer vestígio de seus olhinhos claros e de seu olhar completamente inocente.

Embora muito rapidamente, pensei em todas as pessoas e seres que amo e já amei. Minha descoberta foi solitária. As pessoas a transitar eram indiferentes. Ali, naquele canto de rua, ao olhar alheio, era uma perda boboca, minha, somente minha, incompreensível para o outro e até, de certo modo, para mim mesmo.

Não era uma perda. Era um eco constante com minha própria solidão. Era um eco irrisório, mas constante, com perdas que já tive e ainda terei de viver. Ecoava ali, bem baixinho, o fim do mundo na vida de um gatinho preto.

Passei pelo porteiro:

“Você viu o gatinho preto?”

“Qual? Um pequeno que andava por aqui? Acho que vi sim. Cadê ele?”

“Tá ali, do outro lado da rua, esmagado.”

“É mesmo?”

“É... Melhor assim. Melhor do ficar sofrendo, né?”

“É... Deus sabe o que faz”, finalizou o porteiro.

E cada um ficou com seu consolo.

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