Tuesday, June 01, 2010

Superstição: se dizer, acontece?

A pergunta parece meio tola mas, na prática, a maioria das pessoas tem alguma forma de superstição. Há aqueles, por exemplo, que jamais falam a palavra “desgraça”, pois, segundo seus avós, seus pais, os mais antigos (ou seja lá porque), ela apareceria debaixo da mesa. Nossa, quanto disparate. Há também os que não passam debaixo de escadas, fogem do número 13, começam com o pé direito, saem pela mesma porta, e por aí vai uma série quase infinita de superstições.

Neste pequeno texto quero falar daquela que se refere à ideia de que dizer gera o acontecer. Ou seja, se você dizer, a coisa acontece. Há inclusive pessoas que, obsessivas, padecem terrivelmente. Não dizem nunca certas palavras ou repetem inúmeras vezes aquelas que soam como benéficas; ou até mesmo falam e “desfalam” o que sinaliza o mal: se pronunciam algo maldito, logo o repetem, para poder desdizer o que foi dito antes. Enfim, nesses casos não faltarão compulsões (fazer isso ou aquilo, repetidamente) para desfazer o incômodo das obsessões (ideias fixas e incômodas, as quais escravizam e torturam o sujeito).

Uma das situações mais risíveis das quais lembro reporta-se à ocasião em que, com vários amigos em uma mesa de bar, o assunto era como cada um gostaria de morrer. E, obviamente, a maioria respondia que preferia uma morte rápida e repentina: “Quero morrer dormindo...”, eis um exemplo mais do que comum, só para não citar os outros tantos, menos óbvios. Mas eis que um dos que estavam à mesa expele sua pérola: “Quero morrer queimado ou afogado”. Alguns da mesa ficaram boquiabertos, principalmente os mais religiosos: “como ele pode dizer uma coisa dessas, que loucura...”; “bata a mão em sua boca”; “não diga um coisa dessas”; “com essas coisas não se brinca”.

Esse amigo é a pessoa mais destituída de superstição que conheço. E ele sabia muito bem o que estava fazendo. Ficou quieto, olhando para todos nós com seu sorriso debochado. Não disse mais nada, pois voltaria a sempre dizer o que já estava cansado de saber: não é porque você disse que a coisa acontece. E a gente sempre se esquece disso e, vez ou outra, fica com medo. Se dizer alguma coisa ou enunciar algum desejo gerassem sua realização, por si só, bastaria dizer “quero ganhar na loteria” e assim o seria. E olha que as pessoas repetem seus desejos aos milhares e o destino de tudo quase nada tem a ver com isso. Eis o pensamento mágico e infantil, o qual ainda sobrevive em nós, de algum modo. Em alguns mais e em outros menos.

4 comments:

Anonymous said...

Juro que falei "desgraça" hoje pela simples curiosidade de ver o que apareceria debaixo da mesa. Hehehe. Nunca tinha ouvido falar dessa superstição... tsc tsc tsc. Cada coisa nesse mundo!

Anonymous said...

Grande Frank,

Como sempre, continuo defendendo a existência de anjos e demônios, mesmo que eles não existam, só pelo meu gosto pessoal de existirem (como bem sabes, duvido muito da fé, da religião, da ciência, da filosofia, da arte, do crente, do descrente, do fiel e do infiel).
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O mundo cartesiano é tão sem graça e sem feno pra encher que precisa de uma ou outra recheada de superstição e mito. Bora lá, Thor ficando puto, batendo o martelo na rocha e gerando o raio é muito mais legal do que o acúmulo de cargas elétricas ultrapassando a resistência da atmosfera, ionizando a coluna de ar emitindo radiação eletromagnética dentro do espectro visível.
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Será que evitar passar por baixo de escadas ou escrever o número 13 é só por medo ou por ser divertido? Desconfio que há um enorme grau de ludicidade neste "jogo" da crendice! Truco!
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Por último: Será que acreditar no que se fala não esconde uma pontinha de desejo indevido, de projeto de morte, de atração pela desgraça (ói que eu falei!)?
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Grande abraço,
continue escrevendo,
sempre....
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(Cara, tô escrevendo isto aqui com a musiquinha do Marley no site do Bendito Suco - muito bom!).
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Josafá Crisóstomo said...

Até acho que superstição é superstição. É superstição.
Mas acho tão bom quando as crendices traduzem verdades do coração. Morrer dormindo. Um lugar comum tão adorável. Tive uma vó que morreu durante uma festa. Não é bonito isso? muito mais bonito do que morrer afogado ou queimado.A verdade é que queremos o bem da gente. Se isso puder ser traduzido em palavras melhor. E, em geral, as palavras que não traduzem o bem podem não fazer mal, mas também não colaboram para o sentimento de bem-estar. E tenho dito. rsrsrs

Ronaud said...

Evidentemente nada nesse sentido pode ser provado, repetido, experimentado, etc. Contudo, há um ditado que diz que "a língua é o chicote do couro", referindo-se a situações em que o indivíduo se vê afrontado por alguma circunstância sobre a qual se sentia arrogantemente inatingível, superior, enfim.

Embora a relação causal não possa ser provada, volta e meia vemos fatos assim e na dúvida, preferímos "não arriscar" rs

Parabéns, seus textos são uma overdose de realismo.

Ao comentarista Ioda, se o mundo cartesiano lhe parece sem graça, é porque não conheceu ainda a mecânica quântica. O mundo subatômico as vezes parece tão fantasioso quanto qualquer ficção.