O ônibus pára bruscamente. Em frente ao pronto-socorro, a porta se abre para o escuro da rua. Entra uma mulher e, logo à frente, meio atropelado pela pressa da mãe, pela pressa do mundo, um garotinho de 4 ou 5 anos de idade. O ônibus balança muito e ele se segura firme, como quem fosse lançado em alto-mar, caso se distraísse um pouquinho sequer. O balanço do ônibus sabotava o sossego daquela criança. Mas ele era muito pequeno para remoer sobre perseguições do destino.
Seu rostinho se vira em minha direção. Há uma lágrima presa, que escorreu do canto de seu olho. E o pronto-socorro ao fundo. Ele não fala nada: um filhote mudo, de olhos ao mesmo tempo assustados e tristes. E uma lágrima: havia chorado.
Tinha a expressão tão perdida, tão “não sei o que estou fazendo aqui”, tão “vamos pra casa”, ou tão “eu não quero”, “isso dói”, com choro de terror, pânico. Aquele seu olhar pós-tortura morava em lugar nenhum. Todo o seu corpinho era uma expressão de derrota para todo o resto do mundo, muito maior do que ele. E uma derrota sem lamento. O terror já havia passado. Agora restava aquele corpinho pequeno e sem forças, todas consumidas na luta mortal que travara contra uma avalanche de invasões ao seu pequeno recanto de paz.
Eis que senta-se ao seu lado uma outra mulher, com uma criança bem menor, de 1 ano e pouco. As duas mães começam a conversar e deixam as duas crianças interagindo. Sem que qualquer uma delas perceba, o maiorzinho desfere um soco forte na cabeça do menor. O soco pega no rosto e espreme a cabeça do bebê no ferro do banco do ônibus. Como as duas mulheres não viram o que ocorreu, pensaram que havia sido o balanço do ônibus. Não houve mais uma agressão tão bruta. Porém durante toda a viagem, nosso garotinho da lágrima no canto do olho, transforma-se num capeta. Passa a fazer inúmeras caretas para o bebê, parando somente quando ele fazia cara de choro. Depois começa a cutucar os passageiros, mostrando a língua, e a arremessar tocos de cigarro na cabeça das pessoas. Vários passageiros simplesmente estavam com vontade de esganá-lo, de descer a mão na bunda daquela criança mal-criada e infernal.
Mas eis que de repente o ônibus dá uma boa freada, e o menininho voa pro chão. Não é capaz de segurar o choro. Chora alto e sofrido. Não havia machucado, chorava de susto. A mãe o pega no colo e tenta consolá-lo, assim como a mãe da criança que havia sido espancada por ele. Parecia que a desgraça do mundo desabara sobre aquele pobre e indefeso ser. O motorista pede desculpas, e olha com carinho para aquele rostinho inocente e meigo, prometendo-lhe um pirulito no final da viagem. O menininho então volta a sorrir.
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