O assunto central eram esportes de combate, principalmente boxe, temas pelos quais circulo com facilidade, porque tenho um bom conhecimento enciclopédico da coisa. Isso faz com que muitas pessoas até se surpreendam, porque não imaginam que eu saiba tanta coisa sobre MMA e boxe, por exemplo.
Vou inclusive ver o que posso fazer para começar a treinar boxe com um deles. Nós nos conhecemos dentro da própria academia. Houve um dia em que percebi que ele treinava com maestria uma série de movimentos da "nobre arte". Observei seu comportamento e senti que havia ali uma pessoa no mínimo simpática.
Mas é aquela coisa. Observar os movimentos de uma pessoa, ou a forma que olha para as outras pessoas, é uma coisa. Conversar e contemplar suas ideias é bem diferente.
Esse colega é um senhor quase três anos mais velho do que eu. Diferentemente de mim, aparenta a idade que tem. Contudo, com uma compleição corporal que deixa claro seu histórico de boxeador e de alguém que fez muita musculação na vida. É um cara muito pesado e muito forte.
E certa vez, quando cheguei na academia, vi que sua elegância nas movimentações do boxe tinham ressonância com suas ideias. Dentro de um condomínio povoado majoritariamente por policiais militares e muitas pessoas de extrema direita, ele conversava tranquilamente com um outro sujeito com tom de voz audível para todos os que estivessem no recinto, defendendo diversos posicionamentos políticos à esquerda e progressistas.
Não economizava palavras para chamar Bolsonaro e sua turma de bandidos e genocidas. Fiquei um pouco sem entender aquela cena. Aquele senhor enorme, brutamontes, claramente alguém com experiência em esportes de combate, praguejando contra a extrema direita, sem qualquer receio ou medo.
Aproximei-me e comecei a participar da conversa. Ele me relatou um pouco de seu histórico de boxeador (que durante um certo tempo atuou de modo profissional), segurança de eventos, diretista e evangélico. Trabalhou com segurança de eventos durante muitos anos e foi direitista e evangélico também durante talvez a maior parte de sua vida, tendo se redirecionado para a esquerda e o ateísmo provavelmente com mais de 45 anos de idade e com seus filhos já adultos.
- Não tenho nenhum dos dentes frontais, tanto na arcada superior quanto inferior. É tudo implante. De tanto tomar porrada fui perdendo os dentes pela raiz. As raízes foram se rompendo. Problema nenhum. Esses dentes mastigam e mordem do mesmo jeito. O único problema é que é caro. Cada implante é R$ 3 mil. Então eu tenho um carro na boca.
Mostrou uma série de lesões e cicatrizes por todo o seu corpo, principalmente no rosto e na cabeça.
- Eu tenho um buraco bem embaixo da órbita do olho. Eu perdi o osso nessa parte. Só tem o buraco. Me dá aqui o teu dedo pra você ver.
Pegou minha mão e enfiou o meu dedo dentro de seu olho, que afundou sei lá quantos centímetros. Algo meio angustiante. E ele realmente tem um buraco esquisito, que se aprofunda por debaixo da órbita.
- Eu também perdi a sensibilidade nos olhos - dizia o outro pugilista, empurrando seus olhos com força, com as mãos, fazendo seu próprio globo ocular se contrair para dentro das órbitas, como se fossem de borracha.
- Você não tem medo de alguém se ofender com todas essas críticas que você faz, em alto e bom tom, contra a extrema-direita?
- Uai, é só cair pra dentro, fi... Vem pra cima, vem tranquilo, mas vem com argumento. Não vem na força não, porque pode se dar mal. Eu posso botar o sujeito do avesso. Se não estiver com arma de fogo, vem pra cima que eu boto do avesso.
E nessa interação com ele, que já tem alguns meses, pude ouvir diversas histórias dos vários combates físicos que enfrentou na vida. Uma história maluca e violenta atrás da outra, contada por alguém que às vezes se exalta um pouco, mas não ao ponto da intimidação porque, como eu disse no início, ele mantém a elegância e a serenidade. Não é, em absoluto, uma pessoa intimidadora ou ameaçadora. Não é um valentão. Mas tem muitas histórias de ter quebrado valentões no meio.
E hoje, por acaso, acordei um pouco empolgado em ajudar, no que for possível, para que os movimentos de esquerda consigam cooptar mais pessoas como ele. Precisamos de mais militares, policiais, lutadores de artes marciais e de uma série de pessoas que são também importantes para a mudança dos rumos de uma nação em direção a uma sociedade mais igualitária e justa.
Precisamos também de proteção militar, do uso adequado e racional da força quando for necessário, por ora para defender a atual democracia burguesa. E no futuro, quem sabe, para defender nossa democracia socialista.
Então eu vou fazer o possível para me aproximar de muitas pessoas que certamente têm ideologias políticas muito diferentes das minhas. Não para ficar debatendo política, mas para fazer laços que, creio eu, no futuro terão um papel indireto, gradual e importante na mudança de suas visões de mundo.
Vou inclusive, assim que puder, como já mencionei, conversar com esse amigo, para começar a treinar boxe com ele.
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