Monday, October 06, 2025

Loucura que seduz

Todos somos suscetíveis ao enlouquecimento. E cada contexto, segundo suas peculiaridades e complexidade, pode facilitar diferentes tipos de desorganização do comportamento e do discurso.

No início da década de 1990, quando fiz minha graduação em psicologia, na USP, eu exibia claramente uma tendência a um quadro maníaco festivo. Em numerosas situações, principalmente em situações literalmente festivas, eu tendia a enlouquecer de uma maneira muito alegre e grandiloquente. Sendo que durante o início de minha adolescência, por volta dos 13 anos de idade, o contexto era completamente diferente e a tendência era muito mais melancólica e desesperadora.

Após 1992 ou 1993, com cerca de 20 anos de idade, eu descobri novos modos de me relacionar com as pessoas à minha volta. Eu tinha, a partir de então, a opção de envolver e confundir muitas das pessoas com as quais interagia. Aprendi a me relacionar de modo a poder também seduzir e divertir. E o estilo que desenvolvi tende muito para o nonsense e a desorganização da expressão como um todo, com o envolvimento com a poesia e as artes tendo tido um papel fundamental para isso.

Lembro-me de várias ocasiões nas quais amigos gratificavam meu comportamento bizarro. Porque era muito divertido. Encontrar comigo, com frequência, era uma espécie de festa louca e sem fim. 

Sei muito bem disso e sei quais são os contextos onde esse tipo de comportamento é glorificado e onde causa pânico moral. Eu, contudo, fui tão intensamente gratificado por me comportar dessa maneira, durante meu período universitário e até mesmo depois, durante muitos anos, como já relatei, principalmente em contextos festivos, que foi um pouco doloroso ter de abandonar toda aquela loucura para me adaptar a outros contextos, muito mais sisudos.

Então os anos foram se passando e de repente me vi em situações e grupos com os quais eu deveria somente compartilhar meu lado mais contido e sereno. 

E hoje até comentei com dois estagiários: 

- Eu sei bem qual é minha maior tendência de enlouquecimento. Sei bem o que me enfeitiça para me arrastar para o abismo da loucura...

Estávamos debatendo um dos casos que havíamos atendido. Trata-se de um paciente grandiloquente e fantasticamente louco, quando em crise. Ele fica em crise maníaca durante 3 ou 4 meses e volta naturalmente, sem a necessidade de medicamentos ou qualquer tipo de intervenção. E tem sido assim durante anos. Obviamente que de uns tempos para cá há uma intervenção psiquiátrica e medicamentosa. Mas essa intervenção, em um primeiro momento, ainda não funcionou. 

Eu o atendi somente duas vezes. No primeiro dia senti-me completamente contagiado por sua energia, empolgação e sua loucura maníaca, que também percebi como festiva. Seu comportamento não se desorganizou de modo muito perigoso. Não fica agressivo. Não provoca as pessoas de um modo muito incisivo e que possa com facilidade despertar a violência alheia.

Mas tenho que confessar. Seu discurso é encantadoramente poético, de modo que poucas pessoas percebem. Porque se trata de uma poesia muito bruta e a ser lapidada. Não é poesia para ser imediatamente impressa no papel. É o espírito necessário para que a poesia aconteça. Ele está há uns três meses em um modo de discurso que é completamente aventureiro.

Está persecutório com muitas pessoas. Mas isso não ocorreu comigo, porque nossa afinidade foi muito grande, desde o início. E seus familiares deixaram claro que ele só quer ser atendido por mim. Mas por ora foram somente dois atendimentos e não agendei o próximo, porque não é assim que está funcionando nosso CAPS. Não posso agendar um paciente somente porque gosto dele. Há muitas pessoas precisando de atendimento e os horários devem ser distribuídos da forma mais igualitária possível.

Mas confesso que minha vontade era abraçá-lo como um grande amigo e saírmos para conquistar esse mundo! Ficaríamos dia e noite pelas ruas, fazendo discursos bizarros, reunindo pessoas e conclamando a humanidade para o ponto culminante das percepções alteradas da vida.

Thursday, October 02, 2025

Amigo boxeador

Certa vez eu conversava com dois conhecidos aqui na academia do condomínio, que são boxeadores peso-pesado. Um deles é uma figura singular e muito gente boa. O outro conheço bem pouco.

O assunto central eram esportes de combate, principalmente boxe, temas pelos quais circulo com facilidade, porque tenho um bom conhecimento enciclopédico da coisa. Isso faz com que muitas pessoas até se surpreendam, porque não imaginam que eu saiba tanta coisa sobre MMA e boxe, por exemplo.

Vou inclusive ver o que posso fazer para começar a treinar boxe com um deles. Nós nos conhecemos dentro da própria academia. Houve um dia em que percebi que ele treinava com maestria uma série de movimentos da "nobre arte". Observei seu comportamento e senti que havia ali uma pessoa no mínimo simpática. 

Mas é aquela coisa. Observar os movimentos de uma pessoa, ou a forma que olha para as outras pessoas, é uma coisa. Conversar e contemplar suas ideias é bem diferente. 

Esse colega é um senhor quase três anos mais velho do que eu. Diferentemente de mim, aparenta a idade que tem. Contudo, com uma compleição corporal que deixa claro seu histórico de boxeador e de alguém que fez muita musculação na vida. É um cara muito pesado e muito forte. 

 E certa vez, quando cheguei na academia, vi que sua elegância nas movimentações do boxe tinham ressonância com suas ideias. Dentro de um condomínio povoado majoritariamente por policiais militares e muitas pessoas de extrema direita, ele conversava tranquilamente com um outro sujeito com tom de voz audível para todos os que estivessem no recinto, defendendo diversos posicionamentos políticos à esquerda e progressistas.

Não economizava palavras para chamar Bolsonaro e sua turma de bandidos e genocidas. Fiquei um pouco sem entender aquela cena. Aquele senhor enorme, brutamontes, claramente alguém com experiência em esportes de combate, praguejando contra a extrema direita, sem qualquer receio ou medo.

Aproximei-me e comecei a participar da conversa. Ele me relatou um pouco de seu histórico de boxeador (que durante um certo tempo atuou de modo profissional), segurança de eventos, diretista e evangélico. Trabalhou com segurança de eventos durante muitos anos e foi direitista e evangélico também durante talvez a maior parte de sua vida, tendo se redirecionado para a esquerda e o ateísmo provavelmente com mais de 45 anos de idade e com seus filhos já adultos. 

- Não tenho nenhum dos dentes frontais, tanto na arcada superior quanto inferior. É tudo implante. De tanto tomar porrada fui perdendo os dentes pela raiz. As raízes foram se rompendo. Problema nenhum. Esses dentes mastigam e mordem do mesmo jeito. O único problema é que é caro. Cada implante é R$ 3 mil. Então eu tenho um carro na boca.

Mostrou uma série de lesões e cicatrizes por todo o seu corpo, principalmente no rosto e na cabeça. 

- Eu tenho um buraco bem embaixo da órbita do olho. Eu perdi o osso nessa parte. Só tem o buraco. Me dá aqui o teu dedo pra você ver.

Pegou minha mão e enfiou o meu dedo dentro de seu olho, que afundou sei lá quantos centímetros. Algo meio angustiante. E ele realmente tem um buraco esquisito, que se aprofunda por debaixo da órbita.

- Eu também perdi a sensibilidade nos olhos - dizia o outro pugilista, empurrando seus olhos com força, com as mãos, fazendo seu próprio globo ocular se contrair para dentro das órbitas, como se fossem de borracha.

- Você não tem medo de alguém se ofender com todas essas críticas que você faz, em alto e bom tom, contra a extrema-direita?

- Uai, é só cair pra dentro, fi... Vem pra cima, vem tranquilo, mas vem com argumento. Não vem na força não, porque pode se dar mal. Eu posso botar o sujeito do avesso. Se não estiver com arma de fogo, vem pra cima que eu boto do avesso.

E nessa interação com ele, que já tem alguns meses, pude ouvir diversas histórias dos vários combates físicos que enfrentou na vida. Uma história maluca e violenta atrás da outra, contada por alguém que às vezes se exalta um pouco, mas não ao ponto da intimidação porque, como eu disse no início, ele mantém a elegância e a serenidade. Não é, em absoluto, uma pessoa intimidadora ou ameaçadora. Não é um valentão. Mas tem muitas histórias de ter quebrado valentões no meio. 

E hoje, por acaso, acordei um pouco empolgado em ajudar, no que for possível, para que os movimentos de esquerda consigam cooptar mais pessoas como ele. Precisamos de mais militares, policiais, lutadores de artes marciais e de uma série de pessoas que são também importantes para a mudança dos rumos de uma nação em direção a uma sociedade mais igualitária e justa.

Precisamos também de proteção militar, do uso adequado e racional da força quando for necessário, por ora para defender a atual democracia burguesa. E no futuro, quem sabe, para defender nossa democracia socialista.

Então eu vou fazer o possível para me aproximar de muitas pessoas que certamente têm ideologias políticas muito diferentes das minhas. Não para ficar debatendo política, mas para fazer laços que, creio eu, no futuro terão um papel indireto, gradual e importante na mudança de suas visões de mundo.

Vou inclusive, assim que puder, como já mencionei, conversar com esse amigo, para começar a treinar boxe com ele.