Não consigo nem imaginar alguém que nunca tenha sido vítima de uma interação abusiva. Tenho a impressão de que todo mundo já sofreu algum tipo de abuso em alguma interação, por mais leve que tenha sido o abuso, ou por mais breve que tenha sido essa interação.
Há diversas possibilidades de abuso, e algumas são mais sutis. E é muito comum que a pessoa abusada não tenha consciência de que está sendo vítima de abuso.
Há situações em que o abusador:
1. Consegue manipular, e fazer o outro se sentir culpado, sem de fato ter culpa alguma.
2. Chantageia e ameaça.
3. Persegue, no sentido de rastrear tudo o que o outro faz, para depois condenar, prender ou castigar física ou psicologicamente. E isso é muito comum em interações com abusadores marcados por ciúme e sentimento de posse excessivos.
4. Persegue, no sentido de marcar e registrar tudo o que a vítima faz, para poder condená-la e castigá-la por erros mínimos ou insignificantes. Isso por vezes caracteriza o abuso marcado pela implicância, o qual também pode ser fruto de relacionamentos que se desgastaram. Há abusadores que atuam como se tivessem pegado birra das pessoas que sofrem em suas mãos, e isso abre as portas do inferno para horrores marcados pelas mais variadas formas de sadismo.
5. Constantemente humilha, agride e subjuga, muitas vezes alternando esse tipo de comportamento com afagos ou declarações de amor, o que acaba tornando difícil a percepção de que existe abuso.
6. Emite um comando, e logo depois emite um comando contrário, fazendo com que a pessoa se torne refém de um jogo no qual “se correr o bicho pega, e se ficar o bicho come”. É o chamado duplo-vínculo. O abuso exige x. Tendo x, o abusador pune, e logo depois exige o contrário, y, e assim em um ciclo eterno, e paradoxal, de uma espécie de “bate e coça”. A vítima fica presa em comando paradoxais.
Exemplo:
O abusador exige dedicação. A vítima se esforça, e se dedica. Aí o abusador responde que o comportamento da vítima foi totalmente impróprio, e que se for para ser assim, nem precisa fazer nada. Mas não fazer nada é falta de dedicação. Eis a prisão do paradoxo do abusador.
E é importante ressaltar que nem todo abusador tem consciência de que abusa. Existem sádicos que conscientemente manipulam e torturam. Mas existem também aqueles que abusam em virtude de suas próprias vulnerabilidades e imaturidade. Porque o abusado nem sempre é mais fraco do que o abusador. Existem, por exemplo, pais abusados por filhos. Assim como existem pessoas psicologicamente enfraquecidas, que são patologicamente ciumentas, egocêntricas, imaturas, impulsivas, com medo patológico de serem abandonadas, desrespeitadas, humilhadas, que reduziram seu mundo a relacionamentos empobrecidos e doentios.
Há abusadores que têm a convicção de que estão lutando pelo bem de suas vítimas, ao impor-lhes limites, disciplina ou punições, que concebem como justas e educativas. Mas que, no final das contas, torturam, mutilam, dilaceram e podem até matar.
E também é comum que um abusador (pouco consciente dos abusos que comete) passe a ter prazer com isso. É comum a transformação de um disciplinador em uma espécie de torturador sádico. Deste modo, o senso de disciplina com frequência se mistura com sentimentos de prazer sádico.
Porque todos nós controlamos uns aos outros, o tempo todo, seja com guloseimas e agrados (gratificações/reforços) ou pontapés (estímulos aversivos). O problema é que os últimos costumam ser muito gratificantes para quem os utiliza, porque são com frequência mais simples de serem usados, e seu efeito é imediato. Eis então uma grande oportunidade para o abuso.
E você, já sofreu ou se sentiu abusado(a)? Quais situações mais vivenciou em sua vida? 1, 2, 3, 4, 5, e/ou 6?