Não me defendo, nem fico me justificando quando pacientes se irritam comigo, e há uma tendência que isso ocorra, com maior frequência, no ritmo frenético de atendimentos em um CAPS. Quando percebo que algum paciente está muito irritado comigo, procuro somente ouvir e ser o mais empático possível.
Então já sofri agressão física, por parte de uma paciente que, por sorte, era menor e bem mais fraca do que eu. Fui ameaçado de agressão por um paciente enorme e marombado. E já fui repreendido por pacientes ou seus familiares, por diversas vezes, e de modo bastante ofensivo, tendo sido classificado como antiético, irresponsável e insensível, com ameaças de processos e ouvidorias.
Em alguns casos é bem doloroso. Ser agredido, e não reagir, costuma ser doloroso, principalmente por alguém que de fato tem o poder de nos causar sérios danos. Isso às vezes me deixa mal, angustiado e triste, por dias, nos quais fico lidando com o evento traumático, e tentando aprender mais alguma lição com isso tudo.
Houve um dia em que tive de ouvir um familiar de um paciente me proferir os mais variados impropérios. E não era uma pessoa que estava descontrolada. Era uma pessoa com formação acadêmica sólida e com uma vida estruturada, que se expressava com raiva, firmeza, sem qualquer tipo de histrionismo e com poder para me dar muitas dores de cabeça:
- Estou assustada com o quanto o senhor foi insensível e irresponsável em sua intervenção. Como pode um profissional com sua bagagem, títulos acadêmicos e experiência, se comportar dessa maneira?
Foi uma humilhação espetacular. Os pontos em questão eram sensíveis e propícios à polemização, da qual me abstive, por completo. Vesti o manto da empatia, dos pés à cabeça. Ou seja: engoli minha língua e ouvi o máximo e mais profundamente que pude.
Defender-me, ou tentar me justificar, produziria consequências que entram em um campo de disputa ainda mais inflamável para o que já estava em plena combustão. Minha experiência e minha formação me diziam que aquele familiar devia mesmo se expressar, botar para fora o que estava sentindo.
Eu procurava não gratificar suas expressões de raiva. Era silêncio, empatia e acolhimento, para permitir vazão e assim baixar a poeira. Porque há um momento em que a tormenta passa, a poeira baixa, e as pessoas até percebem que se excederam. E até chegar essa hora, ou esse dia, é isso mesmo, aguentar a dor de ter sido agredido sem revidar, sem reagir.
Por sorte, no atendimento seguinte tive o prazer de acolher todo o sofrimento de alguém que estava sendo totalmente escorraçado e rejeitado pelo mundo todo de seus afetos. Era alguém que se sentia odiado pelo mundo inteiro, aquela pessoa que todo mundo odeia, que ninguém mais ama, e que muitos têm o desejo de trucidar. E ela estava ali diante de mim, diante de um de seus únicos portos um pouco menos tempestuosos, para poder ali pairar um pouco sobre tanto rastro de sangue e dor de sua história dilacerada.
No final do dia ainda doía bastante, mas eu já era capaz de respirar mais aliviado.