Saturday, November 06, 2021

A questão do respeito na relação com os pacientes

Quando algumas pessoas, que não têm formação na área de saúde mental, aparecem para trabalhar no CAPS, costumam ocorrer alguns problemas. 

Tenho e tive colegas que estavam acostumados a trabalhar em hospitais, e quando chegaram ao CAPS se assustaram com algumas coisas. Nas reuniões era, e ainda é, comum reclamarem de que alguns pacientes foram desrespeitosos, por exemplo. E muitos, para tentar se impor, chegam até mesmo a dizer ao paciente a clássica frase: “Me respeite!”. Ou então alertam: “Você está me desacatando! E desacatar servidor público é crime!”.

Em algumas situações, durante essas a reuniões, eu digo que, em quase 30 anos de prática profissional, eu jamais senti que algum paciente estava me desrespeitando. Contudo, logo após me expressar desse modo, é nítida a expressão de incredulidade desses colegas, e alguns inclusive fazem questão de tentar mostrar que eu estou sendo desonesto ou mentindo.

É uma situação tensa e difícil, mas sempre mantive a tranquilidade, e tento dizer que, segundo minha formação técnica, e minha experiência profissional, eu não vejo o menor sentido em se afirmar que um paciente está me desrespeitando, e muito menos chegar ao ponto de ter que dizer para esse paciente algo como o clássico “Me respeite!”.

Lembro-me inclusive de uma ocasião em que alguém pregou alguns cartazes nas paredes do CAPS, com aquele aviso da lei do desacato. Aquilo me deixou suficientemente irritado para que eu imediatamente tirasse todos esses cartazes das paredes e os jogasse no lixo. 

Isso ocorreu durante o período em que essa lei havia sido extinta. Porém em junho de 2020 o STF decidiu que é crime. A votação não foi unânime, e a maioria dos ministros defenderam que não há incompatibilidade da lei do desacato com os direitos humanos de liberdade de expressão. Então ficou decidido que a população tem o direito de expressar o que pensa diante de servidores públicos, mas ninguém tem o direito de humilhar, injuriar ou agredir fisicamente o agente público.

Estou há 11 anos no SUS, atendo inúmeras pessoas diferentes todos os meses, e nunca nem mesmo senti que algum paciente alguma vez me desrespeitou. Porque meu sentimento é o de que aquela pessoa está em uma instituição de saúde, manifestando seu sofrimento, adoecimento e vulnerabilidade. Então o que temos nas instituições de saúde é um contexto muito específico, que facilita arroubos e excessos, e pode assim ocorrer de alguns pacientes serem mais ríspidos, hostis ou até xingarem algum servidor público.

E não é somente ter plena consciência disso que faz com que eu fique mais tranquilo e tolerante diante de pacientes e familiares mais agressivos ou hostis. Outra coisa que sinto é também que há uma assimetria muito grande entre os servidores e a população atendida. 

O servidor, na grande maioria das vezes, se encontra em uma posição de controle de muito mais poder do que o usuário do serviço. Ter plena consciência disso, e ter uma formação consistente em escuta empática e/ou comunicação não-violenta é fundamental.

Então, para finalizar, eu diria que me sinto muitíssimo tranquilo e seguro com minha formação, a qual tem me permitido, em muitos anos de atuação, quase sempre conseguir, com facilidade, contornar esse tipo de situação um pouco mais delicada. 

Quem tem uma formação técnica mais consistente quase sempre consegue fazer com que aquele paciente, ou familiar, que chegou mastigando marimbondos, saia do atendimento com gosto de mel na boca.

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