Outubro de 2012.
Tive uma conversa importante com minha mãe esses dias. Ela está com uma doença crônica que muitas vezes a incapacita quase que totalmente, prostrando-a na cama durante todo o dia, em várias ocasiões.
Ela tem quase 66 anos. Vive sozinha e com uma rede de apoio social e familiar deficitária. Eu estou vivendo a 720 km dela e meu irmão mora na Inglaterra.
Quando está em crise, ela sempre se queixa e muitas vezes diz que preferia deixar de viver. O fato de seu filho mais velho (meu irmão mais velho) ter cometido suicídio em 1998, com 28 anos de idade, não produziu nela qualquer espécie de repúdio pelo suicídio ou pelos suicidas. Pelo contrário. Ela muitas vezes se refere ao meu irmão como alguém de coragem, como alguém que aproveitou bastante de sua juventude e se foi dessa vida sem envelhecer, sem viver todos os dramas da velhice.
Assim como meu irmão, sei que minha mãe é também muito bem capaz de cometer suicídio. Esta possibilidade me aterroriza mais do que se ela tivesse uma morte natural ou acidental. Assim como o era com meu irmão, conviver com essa possibilidade de minha mãe fazer o mesmo era muito perturbador para mim até termos essa conversa, há poucos dias. Hoje minha angústia e meu medo são bem menores. Nessa conversa franca, a qual não fui capaz de ter com meu irmão, eu lhe disse mais ou menos assim:
“Mãe, por favor, não tome uma decisão drástica como a do Edu sem antes pedir socorro, sem falar comigo, sem abrir o jogo. Se você quiser morrer, me fale, porque aí eu largo tudo e vou fazer de tudo para ajudar a aliviar a sua dor. Pego um avião e vou correndo praí. Faremos tudo o que for possível para seu conforto, para a sua felicidade.
E se mesmo assim não conseguirmos contornar a sua dor, e você ainda quiser morrer, se não tiver mesmo remédio, se for de fato o fim da linha, também estarei com você. Mas, por favor, não faça como o Edu. Não tome esta decisão sozinha. Se não tiver mesmo jeito, aí eu aceitarei e vou querer me despedir de você, lhe abraçar, dizer o quanto a amo, o quanto sentirei sua falta, e o quanto você representa e sempre representou o absurdo de tudo o que existe de bom na minha existência.
Se morrer for de fato o caso, eu lhe ajudarei, minha mãe, com unhas e dentes, por mais que isso me cause uma dor absolutamente profunda e não dimensionável. Pegaremos um avião e irei junto com você para a Suíça; ou, se não houver essa possibilidade, eu sei como encontrar o caminho menos doloroso para tal, para que você possa partir em paz e com todas as despedidas e carinhos necessários em um momento tão delicado e crucial para você e todos nós que tanto te amamos.
No que depender de mim, minha mãe, você não sofrerá os absurdos que eu mesmo testemunho em meu cotidiano. Com certeza não. Não deixarei e você sabe que pode confiar em mim. Isso é o mínimo que posso fazer pela pessoa mais importante da minha vida. O mínimo.”
Ela compreendeu e se sentiu mais segura. E eu também, acima de tudo. Hoje estamos bem mais leves e tranquilos em relação aos seus desejos de morrer ou qualquer coisa análoga.
O suicídio é um ato muito solitário e horrivelmente triste. É um horror angustiante no seio de qualquer família que o experimenta. Falar abertamente sobre ele, tentando diminuir o tabu e sua proibição absoluta, é o que hoje faço como parte de minhas estratégias de prevenção.
O suicida precisa de vínculo, apoio, cumplicidade, carinho, amor, companhia, e muita conversa franca e transparente sobre seus desejos e planos para morrer. Sem desafios nem chantagens e sabendo sempre que ele é o dono e responsável por sua própria vida.
Estou somente lutando pela vida e pela morte digna, minha e de quem amo. Acho isso absolutamente justificável, prudente e totalmente dotado de sentido e amor.
Mas já estou me cansando de tratar disso no mundo em que vivo... Talvez essa luta só renda frutos e direitos (liberdades individuais, autonomia) para quem está mais próximo de mim. Uma pena...
Deixo alguns pontos mais claros em minha vídeo-aula sobre o tema, a qual também posto aqui nesse grupo.
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