A frase do título sintetiza, com um pouco de ênfase, o que penso há cerca de 30 anos. Não diz exatamente o que penso. Porque não dá para afirmar que é assim para absolutamente todas as pessoas. O que sinto, na verdade, é que para a maioria das pessoas é assim.
Quando as pessoas estão isoladas, em sua casa, ou em seu território mais familiar, costumam ter menos oportunidades para crescer e se fortalecer. E ninguém faz nada sozinho, porque ninguém parte do nada. Sempre partimos de algumas coisas já dadas ou estabelecidas por outros que nos antecederam. Sempre partimos de coisas que estão no mundo. O que chamamos de "nós mesmos" é sempre resultado de alguma coisa do mundo que suscitou algo em nós.
Uma de minhas atividades profissionais é o trabalho com estudantes com problemas de aprendizagem. Essa é uma de minhas atribuições na instituição pública de ensino superior na qual atuo.
E um dos maiores problemas que sinto em relação aos estudantes com dificuldades de aprendizagem é a falta de mais monitoramento saudável. Porque não basta afirmar que os estudantes carecem de disciplina se nós não compreendemos como que o processo de aquisição da disciplina ocorre.
Acreditar que um estudante é o único responsável pelo processo de formação de sua própria disciplina é muito ingênuo. Militares costumam ser mais disciplinados porque são mais monitorados. E o problema da vida militar não é o monitoramento. Monitorar é necessário. O problema na vida militar é que esse monitoramento costuma ocorrer de forma muito aversiva. E não precisa ser assim.
O estudante brasileiro é de modo geral muito pouco monitorado. Se a escola não for em tempo integral a tendência é haver menos monitoramento. O estudante vai para casa e ali é que ele costuma se perder.
Em casa, sozinho, não há geralmente a estimulação necessária para que o comportamento de estudar ocorra de modo mais efetivo.
Reiterando, porém de outro modo: nossa vida, em grande medida, é movida pelos outros e não por nós mesmos. É o outro que nos indaga, cutuca, ordena, pede, lembra, ameaça, acompanha, atrai, seduz, elogia, agride, empurra, ouve, etc.
É claro que o mundo físico também faz isso. Mas quando estamos falando de compromissos sociais, a presença física ou imediata do outro pode desempenhar um papel fundamental.
É muitas vezes no diálogo que o movimento de conhecer o mundo, a si e aos outros, se atualiza da forma mais clara.
Se me permitem, cito abaixo um trecho de meu último livro (Facioli, 2020):
"Os seres humanos, de modo geral, precisam de constante interação uns com os outros. Para alguns autores, tais como Michael Tomasello, professor e pesquisador da Duke University, não somos simplesmente uma espécie social. A intensidade da sociabilidade de nossa espécie teria um caráter especial. E talvez fosse mais apropriado sermos classificados como uma espécie ultrassocial (Tomasello, 2014).
Da mesma forma que abelhas e formigas são especialmente cooperativas entre os insetos, nós humanos somos especialmente sociais, cooperativos, entre os mamíferos. E há evidências de que nossa intensa sociabilidade teve papel fundamental no surgimento das sofisticadas formas da cognição e moralidade humanas (Idem, 2014).
Vínculos afetivos sólidos e benéficos são fundamentais para nossa saúde e bem-estar. É fundamental o companheirismo, o diálogo, ou o jogo, a constante possibilidade de se sentir vivo, motivado, disposto, justamente a partir do que surge das interações geralmente mais próximas e imediatas entre as pessoas.
Quando estamos acompanhados por pessoas com as quais temos afinidade, cuja companhia nos faz bem, ou nos motiva, de modo saudável, a agir, trabalhar ou estudar, a tendência é que haja, de nossa parte, maior concentração e envolvimento na atividade realizada.
(...)
Muitos estudantes facilmente se distraem, perdem o foco, primeiramente porque o que predomina é a educação de massa e modelos tradicionais de ensino, os quais privilegiam a fala de um professor para um grupo grande de alunos. Nesse contexto praticamente não há diálogo. O que impera é a transmissão de um professor aos seus estudantes.
(...)
O diálogo é um elemento central na interação ensino-aprendizagem, no processo de aquisição e produção do conhecimento. E isso vale para qualquer metodologia de ensino. Independentemente da metodologia adotada, é fundamental que ocorra diálogo. Porque não existe vídeo de internet ou documentário, por exemplo, por mais espetacular que seja, que possa substituir a rica e saudável interação face-a-face, olho no olho, com liberdade e tranquilidade para se falar e se perguntar tudo o que for possível.
(...)
Em um diálogo, em que ambas as pessoas se alternam de modo equilibrado na fala, e que o tempo de cada um falando ininterruptamente não se estende muito, é bastante difícil que alguém se distraia ou perca o foco."
Lembro-me das diversas vezes em que eu estava com outras pessoas, estudando em grupo, durante finais de semana ou feriados, e que nós simplesmente não sentíamos o peso da passagem do tempo. Porque estávamos o tempo todo em interação intensa, dialogando e tentando completar uma tarefa, ou conhecer melhor um determinado objeto de estudo.
Porque o ser humano em boa medida é movido pelo outro, pela companhia necessária e constante de outras pessoas. Porque fazer junto costuma ser menos pesado do que fazer sozinho.
Porque primeiro se vive, depois se pensa. A vida vivida é que gera o que pensamos dela. Ninguém pensa positivo para depois viver. As pessoas vivem, e dependendo do quê e como viveram, passam a ser mais otimistas.
Sua casa ou o seu território mais familiar provavelmente serão muito pequenos diante do quanto o mergulho e a imersão no mundo poderão fazer por você.
E isso também é muito claro para mim ao lidar com pacientes que estão sofrendo de ansiedade. Muitos se trancam dentro de suas casas, e conseguem se manter assim indefinidamente, porque não há nada de mais pungente, que os faça de vez em quando sair e se expor. Muitos acabam sendo superprotegidos. Para muitas pessoas a comodidade e o conforto são a beira do precipício de seus próprios transtornos mentais.
Muita facilidade e comodidade para tudo (até mesmo para evitar qualquer tipo de contato com outras pessoas) podem simplesmente fazer com que a pessoa não saia do lugar. Isso, com a passagem do tempo, se mostra como algo extremamente enfraquecedor.
Outras, por sua vez, se isolam completamente de outras pessoas (devido a diversas experiências traumáticas que tiveram), mas ainda são estimuladas por animais de estimação, ou uma vida mais simples, talvez perto da natureza, que faz com que se mexam, e em alguma medida tenham comportamentos saudáveis, fortalecedores.
O título desse texto contém a expressão "vencer na vida", já muito desgastada, por ser quase que exclusivamente atrelada a uma noção de sucesso social. Porém quero deixar claro que, na minha concepção, vencer seria somente conseguir ter mais saúde e bem-estar. Somente isso.
Então, diante do que já escrevi, para ficar claro e concluir este texto, refaço a expressão, de modo mais técnico e menos apelativo (porque o título era para isso mesmo, uma isca para chamar sua atenção):
Ninguém (sabendo que ainda me utilizo do termo ninguém como força de expressão) obtém mais saúde e bem-estar sozinho, isolado, em sua casa, em seus confortos, comodidades e vícios, ao simplesmente se retirar das exigências e estimulações do mundo.
Referências:
Facioli, A.M. (2020). Agonia e sonho: memórias e reflexões de um psicólogo nos meandros do SUS. Publicado em formato Kindle (KDP) pela Amazon.
Tomasello M. (2014). The ultra-social animal. European journal of social psychology, 44(3), 187-194.
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