Thursday, August 06, 2020

Depois do vórtice

Como já mencionei anteriormente, aqui em nosso condomínio uma pessoa faleceu ontem, levada pela covid-19. Acordei ouvindo algo que parecia um choro, baixo, sofrido, e logo imaginei que alguém poderia estar velando, em ausência do corpo, o familiar que se fora. 

Ouvi por uns instantes, para compreender melhor...

Era o uivo do vento. Fiquei por um tempo parado, sentindo a anestesia do sono e assim meio veio a lembrança de meu último sonho desta noite. 

Era um pós desastre, o dia seguinte, os dias ou meses que se seguiam após a destruição, após talvez uma grande onda (de muitas) de destruição. Eu reencontrava pessoas e algumas que haviam se perdido durantes os tempos do vórtice, e agora retornavam.

Eu abraçava forte dois grandes amigos. Estávamos os três emotivos. Eram dois homens duros, que haviam sofrido, assim como eu, que nunca me vi como duro ou durão, e também nunca fui visto assim por minha família de origem, meus pais e irmãos. Mas, fora de casa, anos depois, já fui visto como durão por algumas pessoas, e não foram poucas. 

No início da pandemia, no CAPS, muitos estavam assustados, principalmente com as informações que eu trazia, de como seria enfrentar essas ondas de destruição. Até que, em um determinado ponto da conversa, minha voz falhou e saíram-me lágrimas dos olhos.

Pelo olhar e reação de alguns, penalizados com meu choro, com minha expressão de sofrimento, lembrei-me de uma outra colega de trabalho, de outro setor, surpresa:

- Nossa, você também chora, também sofre... Eu não me dava conta disso. Porque você é sempre tão firme, tão duro.

No último sonho desta noite éramos três homens duros, muito duros, que quase ninguém imagina que sofrem, se abraçando, e chorando, dias ou talvez meses após uma forte onda de destruição.

Era um trio de machos infelizes chorando, bem rapidamente, abraçados, como crianças. Aquele abraço rápido e forte, doloroso, que chega a machucar o corpo, de quem pouco se abraça ou não sabe ter e dar carinho. Abraço besta, de macho, de machucar. Um choro que vem como uma onda forte, fulminante, rápida, e em um instante volta carregando tudo o que destruiu, com choros já engolidos e devidamente guardados na gaveta de quem sabe bem que também sofre.

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