Às vezes no CAPS me sinto tragado para uma espécie de realidade paralela. Um dia atendi a um paciente que parecia inicialmente um zumbi, saído de um filme apocalíptico. Completamente psicótico, e eu não tinha dúvidas disso.
Pouco conseguia estabelecer comigo um contato minimamente sustentável para um diálogo que pudesse se aprofundar no que quer que seja. Tinha uma série de trejeitos que se assemelhavam mais ao de um animal selvagem acuado, fora de seu habitat.
Estava bastante emagrecido, talvez com um IMC abaixo do mínimo. As unhas eram compridas, a pele extremamente branca e seus dentes caninos superiores involuntariamente, com frequência, se sobressaiam, escapando, da boca, dos lábios.
Oscilei entre a piedade e um pouco de medo de alguma possível agressão imotivada. Conforme fui aprofundando o contato, e tentando coletar o maior número possível de informações (principalmente a partir de um de seus familiares, que também era alguém com uma série de condições especiais, com um histórico muito peculiar e também vulnerável a sérios transtornos mentais), pude mergulhar um pouco no drama imenso que aquele menino de 20 anos de idade viveu durante toda a sua vida, até estar ali naquela sala, conversando comigo.
Nunca havia tido qualquer tipo de contato sexual ou amoroso com outra pessoa. Nunca nem mesmo havia beijado alguém. Tinha seus 20 anos, fazia o segundo semestre de um curso de graduação. Tentava, diante de toda a sua vulnerabilidade, enfrentar um mundo que a ele sempre foi completamente estranho, inóspito. Um constante e eterno nível de estranheza, tão profundo, que era simplesmente impossível não ter talvez uma aparência que não aquela de alguém que sobreviveu a uma guerra ou catástrofe de dimensões apocalípticas.
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