Raul (nome fictício), usuário do CAPS, estava tentando melhorar sua redação. Era um senhor com 52 anos de idade, bastante desiludido com a vida. Morava com a esposa, três filhos já adultos e uma neta. Havia deixado seus cabelos encaracolados crescerem, e tinha uma aparência que lembrava muito o estereótipo de indígenas americanos. Falava pouco. Parecia um pajé, um índio sábio e já um pouco velho.
Tinha uma aparente sabedoria no olhar, a qual não se transmutava em palavras ou a compreensão que precisava para poder lidar de forma mais serena com diversas pessoas com as quais conviveu e convivia. Colecionava destempero, conflitos interpessoais e culpa. Aos 52 anos de idade carregava nos ombros a sensação amarga de que nunca soubera viver, e pensava muito em morrer. Sentia-se um estranho em um mundo que não o abrigava.
Voltou a estudar. Começou um curso supletivo, e retomou seus estudos, que haviam sido cessados quando ainda estava na 5ª série do ensino fundamental.
- Adriano, eu gostaria muito de poder melhorar minha escrita, de conseguir escrever o que penso. Estou tendo aulas de redação na escola, mas é muito difícil...
Lembrei-me de um exercício literário, de fluidez, que incentiva o descolamento do sentido, com a compreensão de que uma frase não precisa ter pressa para se findar, já que os termos vão se encontrando, aos poucos, para no final das contas permitir um mergulho na profundidade do jogo de palavras que é escrever.
No final do atendimento escrevemos juntos uma frase poética, tentando traduzir seus sentimentos: “Estou estudando o mundo da minha raiva, pela agonia que brota nas pedras que engasgam meu coração rasgado de medo e saudade...”
Há muitos meses que não o vejo. Quem por último me deu notícias suas foi sua esposa:
- Ele tá bem. Você sabe, né, com aquela dificuldade e angústia toda que ele tem. Mas tá levando, tá caminhando...
E sempre que penso em Raul me lembro desse nosso versinho, de como sua dor talvez ainda esteja a vagar por dentro dos labirintos em que ele se via perdido.