Ontem eu fui assistir ao filme Avatar. Como eu ainda não conhecia a tecnologia 3D, pensei: está aí um boa oportunidade. Trata-se de um dos filmes mais caros da história, com custos acima de 200 milhões de dólares, além do emprego das tecnologias mais avançadas do ramo. O que fez inclusive muitos entendidos no assunto dizer que este filme revolucionaria a forma de se fazer cinema. Enfim, tecnologia e custos nas alturas. E uma bilheteria também muito pujante, a qual já passa de 1 bilhão e meio dólares em arrecadação. Ou seja, a bilheteria, somada aos custos, já produziu, em um mês, mais do que o dobro dos recursos arrecadados para o socorro das vítimas do terremoto no Haiti.
Além do filme ter consumido esse volume extraordinário de recursos ainda havia a opinião de algumas pessoas, uma aqui e outra ali, de que a história era muito boa, de que valia a pena. Ouvi essa história de que a história era boa e fiquei um pouco desconfiado, confesso. Pois o cabeça dessa história é quem? James Cameron. Ele escreveu o roteiro. E ele já escreveu o que antes? Cito alguns dos mais lembrados: Toda a série do “Exterminador do Futuro”, “Aliens, o regaste”, “Rambo II”(vejam só), “O segredo abismo”, “True Lies”, “O último grande herói” e “Titanic”.
O mesmo cineasta que escreve o roteiro reacionário, boboca e belicoso de Rambo II, escreve também o roteiro de “esquerda” e igualmente boboca e belicoso de Avatar (digo de “esquerda” entre aspas, pois foi assim que alguns deram a entender em suas críticas).
E não esqueço, ele também escreveu o roteiro de Titanic. Avatar se saiu melhor, com certeza. Lembro de minhas impressões acerca de Titanic. Entrei no cinema esperando o naufrágio em águas salgadas, e saio de lá afogado em um oceano de açúcar. Brochante. Historinha fraca, boba. Aliás, problema meu. Ninguém mandou ir para o cinema para saber de Titanic. Pois saí de lá sabendo de nada, ou menos ainda do que eu já sabia sobre o naufrágio. Saí sabendo somente de uma história boba a qual já vi milhões de vezes em qualquer telenovela brasileira. Muito melhor seria ter assistido um documentário ou lido um livro sobre o assunto. Ignorância foi a minha de esperar algo de onde obviamente mais brota opulência do que profundidade.
Voltando ao Avatar: é muita coisa, muito dinheiro envolvido na produção de um filme. Disso todos sabemos. Logo, minhas expectativas novamente foram grandes. O que somente denuncia a minha própria ingenuidade. Enfim, novamente me frustrei. A história é velha - vide “Dança com lobos”, “A missão” (aliás, muito mais bonito, na minha opinião), “Guerra nas estrelas” e “Brincando nos campos do senhor” (só para citar alguns) - o filme é de guerra, todo coloridinho e para crianças.
Sim, mais um filme americano de guerra. Só que este é para crianças. Pimpolhos a partir de 12 anos podem legalmente assistir esse desenho animado belicoso. Mas se o “Bem” vence o “Mal” (o velho e bom maniqueísmo de sempre), o uso da força é legítimo, não é não, meu povo?
Dois detalhes engraçados: um foi a menção da delicada palavra “terror”, pelo menos na legenda. O coronel americano diz mais ou menos assim: vamos combater o terror deles (do Bem, do povo colorido e puro da floresta) com nosso terror, em dobro. Não teve jeito, já logo associei o povo da floresta com Palestinos ou qualquer formação terrorista atual e a luta dos americanos contra o terror. O Cameron não deve ser republicano. Ou já foi, na época do Rambo II e hoje já está mais para Obama, recomendando que devemos ouvir o que os “abomináveis” “terroristas” têm a dizer.
O outro detalhe esquisito e risível foi quando Jake, o mocinho da história, mata uma espécie de veado com seu arco-e-flecha e faca. O bichinho toma a flechada e cai no chão, agonizando. Jake então, bem rápido, vai lá e mete a faca em seu coração. Fulminante. Aí senta-se ao seu lado e reza, agradecendo pelo alimento que ele será, de modo meio sublime-canibal: agora você, bichinho, será parte de mim, obrigado. Sua companheira não perde tempo, apaixonada e impressionada com seu guerreiro, sacramenta de vez o que acabou de ver: parabéns, foi uma “morte limpa”. Deus do céu, cena digna de se parodiar nos Simpsons.
Um crítico chegou a dizer que o grande mérito do filme é esse, botar milhares de americanos conservadores, de extrema direita, no cinema e fazê-los gostar de uma história que contradiz tudo o que dizem que pensam sobre política internacional. Ou seja, um filme de esquerda para o povo de direita gostar e ir dormir feliz. Outro disse que o meio, a mídia, é George Lucas e que a mensagem é Che Guevara. Filme americanóide, marqueteiro, cheio de embalagens e efeitos especiais de última geração, mas com uma romântica e açucarada história de esquerda. Pronto: eis aí a Coca-colla do Evo Morales. E, mais hilário, o próprio Evo Morales elogiou o filme, como uma demonstração profunda de resistência ao capitalismo e pela defesa da natureza.
E o 3D então, no Dolby system, que foi o que vi, me pareceu meio enganação. A quem diga que essa estória de 3D é meio furada. Nosso cérebro processa o 3D, não precisamos de mais essa embalagem não. Aliás, embalagem... O James Cameron é bom nesse negócio. A arte das belas embalagens. O tempo todo o que temos é o gozo do olhos. Somos capturados pelos olhos. A imagem visual reina absoluta. E olho gordo e no quindim dos outros é o que não falta.
Por outro lado não nego que o filme me envolveu bastante, assim como as boas telenovelas da Grobo. Sim, acho que o lance é mesmo se entregar e viver a história e o enredo dos acontecimentos ali apresentados. Se deixar levar, se esquecer um pouco, ser hipnotizado (e muitos vezes somos hipnotizados por idiotas; sim, pois nos pegam de surpresa). Em virtude disso não deixo de lado as oportunidades para chorar em virtude de tudo aquilo que não me diz respeito, ou mesmo daquilo que seria problema do outro, mas que na verdade choro por minhas coisas mesmo.
No primeiro caso é o meu choro frente a qualquer trama boba a se desenrolar em uma telenovela ou filme do Cameron. No segundo é o choro dos velórios: choramos por tudo, menos pelo morto que ali está, pois velório é lugar pra chorar, onde o choro é uma ordem. E assim vou, choro sempre que posso, sempre que for permitido. É prazeroso e não importo de parecer idiota. Porque depois também é dar risadas do ridículo de ter chorado por idiotices. Chorar e rir ao mesmo tempo, de preferência. Melhor ainda. Ou então chora e logo em seguida cai na risada. Tem coisa melhor? O ridículo move o mundo e eu estou nessa.
Voltando ao Avatar, de novo (sim, pois ele sempre volta, o termo avatar têm também, originalmente, o sentido de manifestação que retorna). Filme com uma história boboca, de massas, de massas incultas, não há dúvidas. Diálogos superficiais, historinha para boi dormir, para o gado do povão dormir. Dormi junto. Estou no meio do gado. E vou junto, dando risadas. Preciso ser povão. Se não sou, me dêem o bilhete de entrada, deixem-me fazer parte do clubinho. Se sou, então me permitam uma autocrítica, por favor. O rebanho me protege. Mas não me impeçam de achá-lo ridículo.
E as críticas ao filme foram as mais variadas. Isso torna a obra mais interessante, pois mais polêmica e polissêmica: a tão desejada profusão de sentidos que a arte almeja.
Alguns disseram que é uma impressionante obra de arte em termos técnicos, mas bem banal em termos de narrativa. Outros mencionaram que a história é velha, citando outros filmes com essa mesma história, como eu mesmo já disse aqui. Ou que o roteiro é óbvio e previsível; ou que o mundo vislumbrado por Cameron é muito bonito e que vale a pena visitá-lo. Sim, muito bonito, muito colorido, coisa de sonho mesmo (ainda bem que não sou daltônico), coisa do sonho real da mãe dele. Isso mesmo, a mãe dele sonhou com seres azuis, em um outro planeta, maravilhoso, o que também lhe serviu de inspiração e tributo à progenitora. Tudo meio hindu, meio “Caminho das Índias” (está na moda), ou uma mistura de Pocahontas com Smurfs: avatares, Krishnas azuis e por aí vai. Tudo meio indígena: meio nus, em comunhão integral com a natureza, com tudo. O conforto divino de estar nos braços da natureza, em seu útero, nesse mergulho oceânico de êxtase nas profundezas de tudo.
E aí também não me esqueço de uma colega a qual gostou muito da história: “Vá assistir, Adriano, a história é muito boa. Vale a pena”. E quando lembro dela falando isso, agora dou risadas. Como ela não iria gostar desse filme? Ela é a própria protagonista, nativa do planeta Pandora. Só falta ser azul. Adora “ficar na natureza”, parece uma indiazinha, igualzinha à mocinha da história. Identificação instantânea.
E para finalizar, há também aqueles que vêem em Avatar a manifestação da visão panteísta de Cameron. Os hominídeos azuis, nativos de Pandora, são panteístas. Deus, para eles, está em tudo. Não se trata de um indivíduo todo poderoso fora do mundo. E basta a nós, viventes, caminharmos em harmonia com esse Todo, que é Deus. Visão muito bonita, com certeza. Retomada, inúmeras vezes, por diversos pensadores e artistas (em Espinosa, Fernando Pessoa – ler a poesia “Há Metafísica Bastante em Não Pensar em Nada”, no Estoicismo). E rebatida por outros (Freud, por exemplo). Pois se trata de pensar se Deus, esse conceito, antes de tudo, é algo ou alguém.
Mas penso que é também possível perceber a Teoria de Gaia (originalmente proposta por James Lovelock) no enredo de Avatar, segundo a qual a biosfera teria mecanismos integrados e suficientes para se comportar como um organismo vivo, o qual visa um certo equilíbrio e constância de seus estados internos. A humanidade atual e seu crescimento populacional, com o esgotamento de recursos naturais, seria então uma virose a ser estirpada por Gaia, pelo planeta Terra. Ou seja, não passaríamos de uma gripe, da qual a Terra logo irá se recuperar. Assim como, em Avatar, o são os americanos que estão a colonizar Pandora.