Algumas publicações recentes, como o livro “Deus: umdelírio”, de Richard Dawkins, reacenderam o debatesobre o papel e a natureza das religiões. A palavradelírio, veja bem, está já no título da obra de Dawkins.
Freud, porsuavez, emsuaobra “O mal-estar na civilização”, de 1930 enuncia que a religião é umdelírio de massas. Ou seja, tentando deixaraindamaisclaro o queele disse, dá paraconcluir o seguinte: Loucuraque se enlouquecesozinho é somenteloucura. Loucuraque se enlouquecejunto é... religião.
É tambémmuitocuriosa a passagememque perguntam a Bertrand Russell, jábem velhinho, sobre o que diria se, apóssuamorte, desse de caracomSão Pedro ouqualquercoisaque simbolizasse a existência de Deusou da almaeterna. Ele responde que diria assim: “Vocêsnãonos deram provassuficientes!”.
De fato, a primeiraparte do provérbio, sobre o tolo, tem muitosentido. Sertolo, em boa medida, é dizerou pensarcoisasquenão possuem correspondentes na realidade. Ou seja, o tolosimplesmentenão sabe o que as coisassão. Logo, emresumo, não sabe o que diz. Não possui noção das conseqüências e sentidospossíveis do seudizer.
Agora, o sábionãodizer o que sabe o caracteriza somentecomoumsabedor egoísta do quequerque seja. Mesquinhez do sábio e papo-furado dos tolos.
Mas pode, claro, havertambémoutrossentidos. O de que seria maissábio, porexemplo, a demonstração do que é maisprópriooucorretopormeio de ações do quepormeio de palavras. A idéia de queações valeriam mais do quepalavras: uma pedagogia da ação, do exemplo. Ou o velhosentido de que o silêncio é ouro, enquanto a palavra é prata. Outambém, talvez, a sábiapercepção de quenemtodomundo é merecedor da verdade. Comcanalhas, comquemjogasomente no campo da mentira, o silêncio costuma sersinal de sensatez ouprudência.
Essa usam demaisprajogar na cara. Quando o caso é de ciúme, então, nem se fala. Genteciumenta e paranóica adora esse proverbiozinho chinfrim. Ficam espionando a vida do outro, vendo má intençãoemtudo e logo disparam essa pérola.
Há contudo o temor de quemnão deve nadaoumuitopouco. O tipoobsessivo, porexemplo, não deve nada e teme tudo. Enquanto o psicopata deve tudo e não teme nada.
Esta é uma perguntamuitocomum, do sensocomum (porisso a coloquei entreaspas), emrelação à homossexualidade. Emmuitoscasos, infelizmente, há pessoasque chegam a afirmarisso de modocategórico.
A homossexualidade é umfetiche da curiosidade de nossasociedadeque praticamente criminaliza essetipo de orientação. E se a homossexualidade é fetichizada, a homossexualidademasculina o é ao quadrado. E ao verbo “fetichizar” atribuo o sentido de darumvalorexcessivo ao quequerque seja. Se fetichiza é porque ressalta demais, valoriza demais. É atenção, curiosidade e xeretice demaisemrelação ao tema.
As pessoas querem logo a resposta, querem logosaber a causa – como se tudo necessariamente pudesse ser explicadooudeterminadopor uma únicacausa. Se nasce assimou se aprendeu; se é uma condiçãoou uma escolha.
Mas Freud logo adverte: se a homossexualidade é representada comoummistério, issotambém deveria caber à heterossexualidade. Paraele há de se perguntarpelagênesetanto de uma quanto de outra. Poispara a psicanálisetodos nascemos, vamos assimdizer, “bissexuais”. A orientaçãooriginária é a bissexualidade. A monossexualidade, seja ela hetero ou homo, sócom o decorrer do desenvolvimento. Neste sentido, psicanalítico, nascemos bissexuais e aprendemos a ser hetero ou homo. se dá
E o termo aprendizagem, para o sensocomum, também adquire algunssentidosquenão os adotados pelaPsicologia. Bastadizerque é aprendido, paraalguémjálogopensarque deve haveralguém, alguma pessoaqueensina. Paranãomeestendermuitosobreisso, resumo: aprendemos o tempotodo, e o mundo (incluído aí o mundo das coisas) equivocadamente ensina.
Mas ouço muito, da boca de muitas pessoas, inclusive e infelizmente, pensoeu, de algunsalunos: “homossexualidade é opção”. Já ouvi atémesmogays dizendo isso. Penso da seguinteforma: é uma frasemuitogenérica e vagapara uma questãotãocomplexa. É tãovagaqueadquirirdiversossentidos. pode
Uma vez vi na televisãoumgay dizendo isso: “é uma opção, sabe”. Ele se sentia comoumpaladino da liberdade ao dizerisso. Dizia comgosto, comorgulhoqueera uma escolha, uma opção.
Há também, e commuitomaisfreqüência, pessoas conservadoras e machistasque dizem isso. E o sentidosubjacente costuma ser: “se escolheu isso, poderiater escolhido o contrário; sofre preconceitoporquequer; seja homem!”. Ouentão: sendo opção, logo é safadeza, modaoufalta do quefazer.
E a grandequestão é: então o homossexual escolhe isso, ser uma espécie de pária da sociedade? Alguém escolhe issoparasuavida: ser discriminado, diminuído, excluído, maltratado e humilhado? Sim, pois é exatamenteassimque os homossexuaissãotratados. Se a homossexualidade é uma opção, então completemos a frase: é opção e masoquismo. Poissomentealguémque tem prazeremsofrer é quepoderiaescolher esta opção.
E mesmos os masoquistas, fique bemclaro, nunca o são de modogenérico. Não existe esta história de simplesmentegostar de sofrer. Ninguém é masoquista pratudo. Pois o masoquismo, emtermos comportamentais, muitas vezesnadamais é queefeito da associaçãoentredoisestímulos: umprazeroso e outrodoloroso. Masoquistas costumam terprazercomcoisasmuito específicas, as quaissãoexatamente aquelas que foram associadas com alguma forma de prazermuitosignificativajá vivenciada.
Se a orientaçãosexual é uma opção, logo as possibilidades são as mesmas paratodomundo. Logo, somos todos, como pretendia Freud, originariamente bissexuais. Eisaí o paradoxo do sensocomum: enuncia uma regraque, porimplicaçãológica, estabelece a bissexualidade comouniversal, coisaque o própriosensocomum rejeita.
Se a orientaçãosexual é uma opção, logo existe escolhaconsciente. E pode se dizerque se trata de algomaisoumenos parecido com, porexemplo, o ato de votar: você vai lá e marcaum x. Portanto, chegam a ser ridículas as implicaçõeslógicasquetalbobagem produz.
Porém, continuemos, até o absurdo. Sim, poistodoequívoco desemboca no absurdo.
Primeiro as definições:
1. Homossexualidade é a predominância de atraçãosexualporpessoas do mesmosexo.
2. Heterossexualidade é a predominância de atraçãosexualporpessoas do sexooposto.
3. Bissexualidade é a atraçãosexualporpessoas de ambos os sexos, sem a predominânciasignificativa de qualquerorientação.
Se a orientaçãosexual é uma opção, logo as pessoas escolhem gostar disso ou daquilo, quererissoouaquilo. E quem é que tem essepoder: escolher do que vai ounãogostar, querer?
Se a orientaçãosexual é opção, logo há conflitoentrealternativas. Senãonão haveria opção alguma. Enfim, resumindo: mais uma peçapara a coleçãogigantesca de besteiras do sensocomum.