A minha percepção é que a grande maioria das pessoas consideradas inteligentes, ou muito inteligentes, têm algumas habilidades específicas muito desenvolvidas e outras que não passaram por esse processo. E um grande número de pessoas que nem são consideradas padronizadamente inteligentes demonstram níveis altíssimos de sagacidade em habilidades e contextos que não tem relação com aquilo que é geralmente classificado como da ordem da inteligência.
Eu vejo um nível superior de inteligência em pessoas que são capazes de fazer as outras rirem. A habilidade para se mostrar engraçado e fazer com que os outros dêem risadas ou até melhorem seu humor é para mim uma das maiores demonstrações de inteligência que conheço. Quem faz os outros rirem acaba muitas vezes se colocando em um nível de superioridade que eu considero inigualável. Todas as outras pessoas podem se mostrar habilidosas ou capazes das mais diversas proezas, mas o humorista, o sujeito engraçado, é aquele que surfa na crista da onda da cabeça de todo mundo.
E o espírito que alimenta tudo isso é a ironia, e foi isso que tentei demonstrar em minha tese de doutorado. O comediante está ali, elogiando uma outra pessoa ao seu lado, dizendo que ela é muitíssimo inteligente e que ele é a pessoa mais burra do planeta, ao mesmo tempo em que todos estão dando gargalhadas e batendo palmas para o que ele fala, como se o que ele diz fosse muito mais admirável e genial do que qualquer coisa que aquela pessoa supostamente muito inteligente pudesse dizer.
Fiz todo esse rodeio para tentar dizer uma outra coisa. Minha intenção era mostrar que a aprendizagem depende muito do afeto, desde o início da nossa vida. Se formos bem tratados e tivermos uma aproximação prazerosa com o objeto a ser conhecido, ou com a habilidade a ser adquirida, nos envolveremos com aquilo e nos desenvolveremos. O afeto faz aprender. Eu afeto prazeroso é muito mais poderoso do que os afetos desencadeados pelas chamadas emoções negativas (raiva, medo, nojo, etc) que geralmente nos ensinam somente a fugir e nos escondermos.
Na imensa maioria dos comportamentos inteligentes que observo, ou nos comportamentos adquiridos por meio de processos demorados, profundos e complexos, percebo que resultaram inicialmente de apego afetivo, do terreno fértil da cooperação e do amor entre as pessoas. Quem foi hostilizado, massacrado ou humilhado (por pessoas, pelo mundo ou pelo acaso) se afastou e não pôde aprender ou desenvolver os repertórios básicos, pilares do imenso edifício de comportamentos necessários para se atingir alguma alta habilidade.
Porque a inteligência também se desenvolve, também se cria durante o processo de construção da biografia de cada um de nós.